top of page

Ferida aberta.

 

Há uma ferida aberta, rasgada, pulsante, no meu peito. O coração bate, e bate-me. É como se me dissesse que bate por engano, se o teu deixou de bater e nada mais faz sentido aqui… Tento, em vão, pensar que estás bem, que agora estás em paz! Mas, egoisticamente talvez, só te quero aqui, junto a mim, ao alcance de um olhar, de um grito que seja… Vives em mim, e sem ti nem eu sou mais eu. Sou um farrapo que se arrasta no caos de uma existência que já foi vida, e que agora tem outro nome, qualquer nome que não esse. Há qualquer coisa que não sei explicar… Sinto-te aqui, pai, e não sei lidar com esta tua existência sem corpo, sem matéria, sem sorrisos e gargalhadas, sem passos na escada, sem jornais pousados no sofá… Daria a minha vida inteira por um momento mais contigo. Um momento real, um afago na cabeça, um olhar trocado por um sorriso, um “confia em mim. Estarei à tua espera”…

Espera por mim, pai! Não aguento esta dor, que é maior do que eu, que é maior do que tudo no mundo! Vives em mim, pai! Como é possível que não estejas aqui, se eu te sinto, e tanto, em tudo o que vejo à minha volta?! Nenhum tempo poderá apagar tudo o que somos, o que temos. Nenhuma explicação poderá sufocar as minhas lágrimas, nem a dor que as alimenta, o desespero que as empurra, como rios, para fora dos meus olhos. Nenhuma esperança tornará mais leve este fardo que carrego, mesmo que o reencontro esteja para breve! Estou sozinha, pequenina, gritando ao mundo o meu desespero. E o mundo não ouve, pai. O mundo não entende. O mundo gira como se nada se tivesse passado, e tu ainda vives em mim, mesmo depois de teres partido para sempre. E há uma ferida aberta, rasgada, pulsante, no meu peito. O coração bate, mas bate-me…

 

Carla Teixeira

1 de Maio de 2012

 

Tempo sem ti

Manhã cinzenta

 

O tempo sem ti é uma afronta. 

Tempo sem tempo. 

Parado, absurdo, quezilento… 

 

O tempo sem tempo de ser, de ter, de te ter aqui, de te enlaçar naquele abraço sem fim que são os abraços, todos, que nos damos…

 

O amor sem ti não existe. É dor, é desalento, é tela sem cor, inverno de chuva e medonhos temporais. O dia sem ti não nasce, não morre, não é. O mundo sem ti não é mundo. É uma bola de água e de lama, um trono sem rei, uma ânsia de algo que quer existir não tendo existência possível.

 

A vida sem ti escorre-me das veias e vai estender-se ao comprido, naquele fio de sangue que me percorre o corpo em desdém de tudo o que há em volta.

 

Eu sem ti não existo. Não como, não bebo, não sonho e não respiro nem amo. Sem ti sou nuvem e mar revolto. Sem ti sou chama apagada pelo vento. Sem ti, encerro-me na bruma e desapareço no silêncio. Sem ti, sou apenas a memória de quando aqui estavas…

 

Carla Teixeira

5 de Agosto de 2011

 

 

Amanheço 
em tons de cinza, 
Chove lá fora e dentro de mim. 
Abro a janela, 
Deixo voar a saudade 
Que tem agora o teu nome. 
Nasce o dia, 
Renova-se a angústia, 
O sorriso despido, abandonado, 
Embrutecido o gesto, 
Automático, 
A vida sem sentido... 
Há nesta aurora um traço 
Negro, 
Uma nuvem imensa, minha apenas. 
Um desespero novo... 
Na tua ausência, 
Faz-se escuro o mundo, 
E há medos que me povoam, 
Há solidão, 
E há lágrimas, 
Uma dor no peito 
Cresce desvairada no corpo todo. 
E há mais qualquer coisa. 
Um não sei quê que não entendo, 
A margem de um rio 
Que talvez nunca alcance. 
Nado. 
Debato-me e grito. 
Ninguém 
Me ouve aqui. 
Sozinha, ao nascer do dia, 
Chamo por ti 
E percebo que não estás. 
Amanheço 
em tons de cinza, 
Chove lá fora e dentro de mim. 

Carla Teixeira 
3 de Maio de 2012

 

Os sábados

 

Os sábados são como um bálsamo. Uma pequenina luz que chega lá do fundo, de longe, e que por instantes me afasta um pouquinho da escura paz do teu sepulcro, e desta dor que me enche o peito de vazio, de um não sei quê cruel e frio, da fealdade da tua ausência, tão presente sempre em mim! 

Sei que existo, porque me vejo e me sinto - e ai que me sinto tanto! -, mas não vivo já. Habito esta morte adiada, este corpo sedento do outrora em que te tinha perto, para uma palavra, um afago na alma, um conselho na hora certa. Sou uma morte adiada que se arrasta, que me prende ao libertar-te deste mundo, e de todas as guerras, as lutas e os desafios que ele encerra no seu ventre por vezes maldoso. 
Sou a fúria das marés sequestrada pelo atavismo de um corpo que quer resistir ao sofrimento mas sabe que a batalha é inglória. Sou, em cada novo pingo de chuva, a memória do sol que eras tu. E sou, nas lembranças desse passado ainda tão fresco mas já tão longínquo, que não volta, o medo, o vazio, o insano desejo de te dizer "olá, pai". Sou a revolta, a descrença, o teu sorriso roubado e os teus olhos que se fecharam para sempre. 
Sou um pedaço de ti que fica quando o teu corpo hibernou. Sou a saudade, a atroz distância física, tão distante ela mesma do que sempre foste. Aqui, onde agora existo sem que viva me sinta, onde até ontem vivias tu, e éramos felizes, há todos os dias uma luz pequenina que amanhece e me destrói lentamente. Aos sábados o amanhecer dói um pouquinho menos. Quase nada! Os sábados são como um bálsamo. Tu sabes porquê, pai.

 

Carla Teixeira

14 de Abril de 2012

 

Dia 102.

 

Há dias em que é difícil conter as lágrimas, e há dias em que é simplesmente impossível não chorar. E então isolo-me, procuro-te na minha solidão, na quietude dos meus gestos, nas palavras que alinho para ti neste livro que talvez nunca ninguém veja, senão nós. Todos os dias te escrevo, e todos os dias espero que estejas por cima do meu ombro, espreitando, lendo comigo, talvez erguendo um pouco das minhas costas esta pesada cruz que carrego… Fazes-me falta, pai! Faz-me falta o teu sorriso, esse teu humor inigualável, essa loucura boa que carregavas nos olhos, nas palavras, nas atitudes… E faz-me falta a tua ironia, as tuas risadinhas contidas, as gargalhadas mais abertas, as conversas lá fora, os conselhos, as ideias, o debate de ideias… Faz-me falta a tua coragem, a tua destreza, a inteligência de tudo o que dizias, o arrojo que era a tua maneira de ser… Não há um só minuto, num só dia, em que não pense em ti. Em que não esteja contigo. Em que não sinta dilacerado o peito, aberto numa ferida que sangra sem parar!

E então fico sozinha, a olhar o céu. A tentar ver-te espreitar entre as nuvens, a afastá-las como estou certa de que consegues fazer se quiseres. E então desce em mim uma tristeza ainda maior, porque se estás perto, e se te sinto, a verdade é que não consigo ver-te, nem ouvir-te, nem ter a certeza de que me ouves e sabes o que te digo, o que te escrevo, o que partilho contigo desta quase morte que ficou em mim depois da tua partida. E fico à tua espera. Sozinha, a olhar o céu e as nuvens. Em silêncio, a ver se te escuto. De olhos bem abertos, a ver se te vejo… Há 102 dias que espero por ti, pai. Espero que venhas buscar-me, ou que venhas apenas falar comigo, dizer-me como estás, como devo estar eu aqui, sem ti e sem norte… E tudo à minha volta é escuridão, assombro e mágoa. E todas as coisas se vestem de negro, como eu, para constatar a tua ausência. E tu sempre tão presente em mim…

 

Quando o sorriso se esgota...

 

Há momentos em que nos é impossível sorrir. Há momentos em que queremos ser fortes, para assim podermos dar força a quem dela precisa, mas em que sentimos a nossa própria força a esvair-se do nosso corpo. Percebemos que as pernas vacilam, que o coração se revolve e a alma se retorce. Há um mar aflito que nos salta dos olhos, e da boca não nos sai mais do que uma desculpa miserável para não termos uma palavra capaz de estancar a dor de quem sofre, ali ao nosso lado, na sombra da nossa impotência. Há batalhas desumanas, guerras desiguais. Normalmente, são nuvens que caem sobre a cabeça de pessoas que não merecem sofrer assim.

Hoje perdi o meu sorriso. Senti as pernas tremer, o corpo vacilar. Experimentei a solidão imensa de alguém que se senta num descampado para observar o céu, percebendo finalmente a sua pequenez, a sua finitude. Hoje quis dar a mão a um amigo, ajudá-lo a vencer o assombro que lhe preenche a alma. Não fui capaz. Não poderia ser capaz. Sou tão pequena e finita como qualquer mortal. Tão incapaz como qualquer outra pessoa. Mas a dor é imensa. O sorriso cortado, a alma em chamas... Que dizer a quem sofre assim? Não sei. Apenas que sofro também, e que recuso desistir. Há-de haver um engano, uma esperança, uma luz. A amizade a isso me obriga. A acreditar sempre no abraço e no sorriso. Mesmo que hoje me seja impossível sorrir...

 

Carla Teixeira

19 de Agosto de 2011

 

Dia 79.

 

De repente tudo mudou. Faltou-me o ar, fugiu-me o chão, e tudo à minha volta começou a girar desenfreadamente e ainda não parou. Estou sempre muito triste agora. Sempre triste, mesmo que por momentos sorria. Subitamente baixo de novo os olhos e sinto a tristeza voltar a pousar-se nos meus ombros. E como pesa! Sinto que me vestiram uma armadura de gesso, que endureceu e agora pesa como chumbo. Tolhe-me os movimentos, as emoções, as reacções. Quero fugir de mim, mas não encontro um caminho. Quero correr para longe daquilo em que me tornei, mas venho sempre atrás dos meus passos que se apressam no seu vagar esclerosado. Quero-te aqui, mas se chamo o teu nome, e mesmo que o grite, tudo o que ouço é o eco da minha saudade. E depois o silêncio…

 

Dia 82.

 

Olá, pai! Eis-me de novo aqui, sentada no teu regaço, ansiando pelo teu sorriso, pelas tuas histórias, por todos aqueles momentos de mimo e de partilha que são só nossos, que nunca se repetirão e que são, porque já o eram, mágicos. Ser pai é algo mágico, de facto, e quando se é pai com sabedoria, e com vontade, e com amor genuíno e perfeito, é-se o melhor pai do mundo. Tu és. Sempre foste, e sei que sabes que sempre te vi e sempre te verei assim. A tua beleza interior era tanta que se derramou para fora de ti, extravasou a tua pele, transformou-se na beleza exterior que todos podiam admirar em ti, desde sempre, todos os dias da tua vida. Partiste cedo, pai. Demasiado cedo. E de repente, no Dia do Pai, o meu pai partia sem me ver sequer. Sem o beijo especial da data, sem um sorriso mais, um sorriso amado, partilhado, desejado, mesmo que sofrido. A vida não te poupou a desafios, e em todos te saíste melhor do que bem, pai! És a pessoa mais forte que conheço. E és, de longe, a pessoa que mais admiro neste e em qualquer mundo que possa existir.

Sinto tanto a tua falta, pai! Não há dia, nem hora, nem momento em que não te sinta aqui comigo, e é essa ausência tão presente que me dilacera, que me mata aos poucos. Amo-te tanto, e tinha ainda tanto amor para te dar. Dou-to agora, em forma de palavras, de frases, de lágrimas também. Se há dias em que sorrio, sorrio por ti, porque me vem à memória algo que disseste ou fizeste, um minuto sublime que partilhámos, um ensinamento essencial que me transmitiste. E foram tantos! E há dor, e é tão profunda, mas há também música – triste e bela, como tu nos últimos anos – que me recorda a expressividade dos teus olhos, os teus risinhos, as tuas gargalhadas e a imensa falta que sinto de tudo isso, de ti, de tudo em ti! E choro quando penso em ti. Choro muito, sofro mais ainda, um sofrimento que nenhuma lágrima esgotará, que é meu para sempre. Há 82 dias que existo sem viver, porque tu já não vives senão na minha saudade e neste amor que não cabe no peito, que não cabe no mundo, que é enorme e que me mata porque me esmaga!

Ainda não acredito que partiste, e que já passaram 82 dias. Não há dia em que não me acompanhes para todo o lugar que vou, e não há dia em que não fale em ti, em que não pense em ti. Talvez isto te pareça parvo, mas estou a escrever-te e a ouvir música online, só que a ligação internet falhou há vários minutos e o site continua a tocar como se nada fosse, e eu penso que és tu, no céu, a tocar a música linda que ouço, e que parece talhada no céu… Estarei a enlouquecer, pai? É um facto que a música nunca parou de tocar, mesmo com a internet desligada… Quero pensar que és tu, e que estás de facto a interagir comigo, a dizer-me que estás a ouvir-me, que me entendes e que entendes o meu sofrimento. Tenho tantas saudades tuas! E sinto-me tão só, sempre tão só, sempre só e tão perdida, desde que nos despedimos, naquele dia sem despedida possível…

Assusta-me o futuro sem os teus braços para ampararem as minhas quedas. Sem as tuas palavras, tão sábias sempre, sem os teus conselhos, as tuas provocações também, aquele teu jeito de brincar com tudo e com todos, de fazer piadas das coisas mais cinzentas e sem graça, da forma como tudo te merecia um momento, uma observação, uma reflexão… Tenho saudades das tuas ideias, de como te nascia na mente sempre uma solução para qualquer problema, de como desenhavas cada projecto teu, das contas que fazias, dos passatempos a que te dedicavas no terraço… Preciso tanto de ti, pai! O que vai ser de mim agora, sem ti para me orientares, para partilhares as minhas pequenas vitórias, para te exasperares com as minhas derrotas, para dizeres “eu vou lá e resolvo isso”, como fazias por vezes diante de problemas mais complicados que te colocava?! Sem ti eu sou apenas uma sombra de tudo o que poderia ter sido, pai! E morro aos poucos, todos os dias, se a saudade matar…

 

Solidão absoluta

Odeio este rasto de morte!

 

Odeio este rasto da morte! Odeio que ela me tenha roubado o meu pai. Odeio que ela se ria da minha impotência, da minha dor, da minha solidão. Odeio os sorrisos dos outros. Odeio a felicidade que me roubaram. Odeio a revolta que sinto. Odeio que me digam que tenho de ter força, que não há nada a fazer. Odeio os dias sem a luz do sorriso dele. Odeio as noites sem o "até amanhã" que ele me dava. Odeio o tempo que não passa. Odeio estas três semanas que se passaram desde que ele partiu. Odeio sentir este buraco no peito, o nó nas veias. Odeio a saudade, a ausência, o silêncio. Odeio o barulho também, as gargalhadas, as buzinas, os sons que fazem as pessoas para quem ele não existia, que nunca souberam quem ele era. Como ele era! Odeio as lágrimas que me mancham os olhos, e odeio o medo que me invade a alma. Odeio as perguntas parvas, os comentários absurdos, as suposições ignóbeis. Odeio ter de acordar e não ser ele, como era sempre, a primeira pessoa que vejo. Odeio adormecer a chorar, e quase sempre é isso que faço. Odeio estar sozinha, e odeio ter companhia. Odeio sentir que é no cemitério que sofro um pouquinho menos todos os dias. Odeio ter de perdoar quem sempre o ofendeu, quem sempre o magoou, quem ajudou a destruir cada um dos sonhos que ele tinha. Odeio ter de ser misericordiosa com quem errou, quando me apetece escancarar-lhes na cara toda a verdade. Odeio não poder gritar. Odeio não poder estrebuchar, espernear, esmagar com os pés todos os que lhe roubaram um sorriso que seja. Odeio estar longe dele. Odeio não o ouvir, não o ver, não o sentir e nem sequer sonhar com ele. Odeio não saber o que sentiu e no que pensou no derradeiro momento. Odeio não ter estado lá, não ter chegado a tempo. Odeio as pessoas que ouço dizer "pai". Odeio os abraços que não lhe dei, e os que nunca mais poderei dar-lhe. Odeio os beijos que ficaram por dar e as palavras que ficaram por dizer. Odeio este cheiro de solidão forçada. Odeio tudo o que me cerca e não é ele. Odeio sentir que estou morta ainda que vivendo. Odeio este rasto da morte. Odeio esta existência que deixou de ser vida no dia em que ele partiu. E odeio a dor insuportável de não poder ter dito adeus. Odeio tudo à minha volta. Amo o meu pai. Amo perdida e tresloucadamente o meu pai. E odeio estar aqui, rodeada de tudo o que odeio, longe de tudo o que amo. Odeio viver assim.

 

A angústia do longe...

 

Sento-me.

Eis-me aqui, de novo,

À tua espera.

Sento-me e aguardo,

Pois sei que virás ao meu encontro.

Sei que virás,

Que ouvirás os meus olhos

Buscando os teus.

Saudades…

Espero-te aqui,

Onde o tempo nos separou,

Naquele hediondo

Final de manhã.

E hoje?

Que é de ti? Que é de mim?

Quem somos agora,

Assim distantes

E tão próximos

Apesar da distância?

O peito amarrado,

A dor

Que me esmaga,

A saudade…

E mesmo sem te ver,

Sem ter a visão do teu sorriso,

O calor do teu abraço,

Sei que me envolves no teu amor

E que tomas conta de mim.

Sinto-te aqui.

Sei que estás comigo.

Desse ponto,

Alto,

De onde me observas,

Sei que estás aí

E aqui. Estás sempre

Comigo.

O desassossego, a dor,

A angústia do longe.

E a saudade!

Ai, como dói a saudade…

 

Carla Teixeira

1 de Maio de 2012 

 

Duas semanas.

 

Há dias de uma solidão absoluta. Sinto-me fora do meu corpo. Vejo-me, sentada ao volante, pairar sobre a estrada como a água flui na corrente de um rio... Não acuso um raciocínio, não sinto mexer um músculo ou pulsar um instinto. Parece que não existo! Ouço o silêncio à minha volta, aqui e ali cortado por gritos estridentes que guardei na memória. Não sei se dói mais o silêncio, se os gritos. Se a solidão, se a injustiça dos juízos apressados feitos por quem, conhecendo-me desde o berço, não me conhece de todo afinal... 

Carla Teixeira 
6 de Agosto de 2011

 

Preciso de solidão...

 

Hoje sinto-me completamente só no mundo. Não. Não é só hoje. Já são tantas as vezes que não há palavras que definam este aperto selvagem que me corrói a alma. Não há senão lágrimas a rasgar-me o peito, e não é de hoje, nem apenas hoje, que existir me custa assim. Não é um lamento. Não é um arrufo. É um vazio que me preenche de tal modo que parece que vou, de repente, acabar aqui. Como pode um vazio encher-nos assim? Como pode o vão de uma ponte ser mais apelativo do estas paredes quentes? E como é que se foge à solidão, se não há um só momento em que estejamos sós? Preciso de solidão, para me encontrar no meio do escuro que toma conta de mim. Hoje extravaso o copo que há dias e dias se vem enchendo, paulatinamente, de gotas e gotas de mim. Atingi o meu limite. Hoje quero ser eu e apenas eu. Sozinha. Em solidão. Em paz. 

 

Carla Teixeira

30 de Janeiro de 2012

 

 

Passaram duas semanas. Há duas semanas vi-te pela última vez. Pela última vez em carne e em osso, porque em alma e em sonhos, acordada até, vejo-te sempre, a todas as horas e em todos os lugares por onde passo. Há duas semanas tu e eu estamos mais distantes, em mundos diferentes, e no entanto sinto pulsar no coração, mais vivo do que nunca, o amor que nos uniu sempre, e que nunca há-de desaparecer. Há duas semanas sem ti, dou por mim a pensar no que são duas semanas. Quanto tempo demoram a passar, quanto amor cabe nos dias que as enchem, quanta dor e quanta saudade podemos meter lá dentro. Duas semanas é muito tempo. Tempo a mais longe de ti, do teu sorriso e daquela tua gargalhada que fazia esquecer todos os problemas. Duas semanas é já muito tempo, e é tempo que só muito mais tarde, lá longe, nesse céu para onde agora foste, poderemos recuperar. Sei que aguardarás a minha chegada, e serás o primeiro que quererei abraçar nesse dia. Mas quantas semanas faltarão para esse reencontro, pai? Quanto tempo terei de existir - porque agora existo apenas, já não vivo - longe de ti? Duas semanas é uma eternidade quando estamos tão longe de quem mais amamos. Há duas semanas começou o mais triste de todos os meus calvários. No dia em que sepultei, ao teu lado, a minha alegria de viver. Amo-te, pai! E morro de saudades tuas! E só passaram duas semanas...

 

bottom of page