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EM JULHO DE 2007 FUI CONVIDADA PELA EDITORA EDELINE PARA PARTICIPAR NUM PROJECTO QUE CONSIDEREI BASTANTE INTERESSANTE, AINDA QUE O TRABALHO TENHA SIDO MUITO E REALIZADO A TÍTULO GRACIOSO: UM CONJUNTO DE JOVENS SEM QUALQUER PUBLICAÇÃO EM LIVRO FOI INSTADO A PARTICIPAR NA ELABORAÇÃO DE UMA OBRA EM QUE SE DARIA DESTAQUE A OUTROS JOVENS QUE, APESAR DA POUCA IDADE, SE DESTACAVAM JÁ NA ÁREA DA CIÊNCIA E DA INOVAÇÃO. COUBE-ME A REALIZAÇÃO DE UMA ENTREVISTA AO PROMISSOR INVESTIGADOR HÉLDER MAIATO, DO INSTITUTO DE BIOLOGIA MOLECULAR E CELULAR DA UNIVERSIDADE DO PORTO. FOI UMA CONVERSA MUITO INTERESSANTE. CURIOSAMENTE, DEPOIS DE ENVIAR À EDITORA O TEXTO QUE ME COMPETIA NUNCA MAIS CONSEGUI ESTABELECER CONTACTO COM A RESPONSÁVEL, E ATÉ AO MOMENTO DESCONHEÇO SE O TAL LIVRO FOI OU NÃO PUBLICADO. POR ISSO, E PORQUE ACHO QUE O MEU TEXTO E O MEU INTERLOCUTOR MERECEM, DEIXO-VOS O RESULTADO FINAL DESSA ENTREVISTA.

 

ENTREVISTA A HÉLDER MAIATO

"Uma pessoa de 31 anos igual

às outras pessoas de 31 anos"

 

CARLA TEIXEIRA

 

Numa pequena sala do andar inferior do edifício do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto há numerosos livros a forrar as paredes. Livros e volumes de enciclopédias, de lombada grossa, onde avultam expressões científicas escritas em diversas línguas. O número 13 escrito na porta desmente o adágio dos azarados: Hélder Maiato define-se como um homem de sorte. Aos 31 anos tem um currículo de mérito assombroso, reconhecido aquém e além-fronteiras, assente na determinação que o liderou na construção de um percurso académico e profissional notável: licenciou-se em Bioquímica pela Universidade do Porto, depois integrou o 6º Programa Gulbenkian de Doutoramento em Biologia e Medicina, que o conduziu à Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, onde iniciou os seus estudos sobre a divisão celular, para depois concluir um doutoramento em Ciências Biomédicas no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, a sua grande referência, quer em termos científicos, quer em termos artísticos.

Depois de uma permanência relativamente curta em Portugal – o suficiente para ter concluído aquela formação e ter casado – rumou numa aventura transatlântica. Foi nos Estados Unidos que fez o seu trabalho de pós-doutoramento em Microcicurgia Celular no Wadsworth Center, entidade afecta ao Departamento de Saúde de Nova Iorque. Desse breve percurso registou para a posteridade diversas publicações em revistas e jornais científicos de excelência a nível internacional, de que o «Embo Journal», o «Journal of Cell Biology», a «Cell» e a «Nature Cell Biology» são alguns exemplos. Em 2005 Hélder Maiato regressou a Portugal, e desde então assume as funções de investigador no IMBC e de professor auxiliar convidado na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. No instituto lidera uma equipa de cientistas que se debruçou sobre a questão da divisão celular e da aneuploidia, e que esteve ligada ao desenvolvimento do primeiro sistema de microcirurgia laser em células vivas da Europa.Sentado em frente ao microscópio, diz que é ali que se revela, apesar de ser entre os livros e em seminários que passa grande parte do seu tempo. Traz nos olhos a inquietude do buscador. Um brilho de quem tem tantas perguntas e se precipita na tentativa de encontrar respostas. No rosto, esculpido com a graça da juventude que ostenta também na forma descontraída de vestir – não se dá mal com as gravatas, mas prefere as T-shirts e os calções –, baila sempre um sorriso, franco mas tímido, tão discreto quanto generoso. Nascido em Matosinhos mas a viver actualmente em Gaia, brinca com a génese do nome: diz “não ter ideia” de onde vem o «Maiato», e garante que ao concelho da Maia nunca teve qualquer ligação. Ainda sem filhos, o jovem cientista afirma ser “uma pessoa de 31 anos igual às outras pessoas de 31 anos”, apontando gostos comuns aos das pessoas comuns com que se cruza nas ruas todos os dias.

Tem, como a generalidade dos jovens, gosto e aptidão para a prática desportiva. Não se deixa cativar por nada demasiado radical, porque gosta de “ter sempre os pés no chão”, mas já praticou diversas modalidades, inclusivamente na vertente de alta competição. Praticou voleibol durante vários anos, fez uma curta incursão pela escalada desportiva, e actualmente está mais familiarizado com o squach. “Adepto moderado” de futebol, é frequentador assíduo do Estádio do Dragão, e acredita que “o Futebol Clube do Porto é um emblema da cidade e do país” e “um exemplo de profissionalismo e de determinação face a um conjunto de objectivos traçados”.Na música pauta o seu gosto por uma enorme abrangência de estilos, que vão do jazz e das “sonoridades mais calmas” ao heavy metal, apesar de reconhecer que a faceta mais dura era mais evidente na adolescência e que “parou nos Metallica”, não tendo desde então acompanhando a evolução daquelas modas do som. Em Portugal a grande referência é Carlos Paredes, que “sem dizer uma palavra soube transmitir como ninguém o que é ser português”. A Casa da Música, um “cristal de arrojo artístico” que o atrai e onde se sente bem, é um dos espaços onde gosta de usufruir da música.

 

A INOVAÇÃO

 

Determinação e persistência são, para Hélder, os maiores traços do seu carácter, e no campo pessoal e profissional é à força com que se agarrou a diversos objectivos que foi traçando que atribui o sucesso alcançado. “Brincar aos cientistas será algo um pouco camuflado”, mas quando era menino “era bastante criativo. Brincava com legos, a construir e a criar”. O avô, que define como “um inventor no sentido literal da palavra”, exerceu grande influência sobre ele. “Ele tinha uma oficina onde fazia uma série de coisas, e eu ia para lá, às vezes participava, ajudava... E quando ele não estava, fazia as minhas próprias coisas. Talvez tenha nascido aí o «bichinho» do criar, e o gosto pelo desconhecido e pela investigação”, justifica. O caminho até à bioquímica não foi, no entanto, linear.Quando frequentava o 12º ano de escolaridade estava ainda “um pouco indeciso”, porque desde criança revelara “muito gosto pelo desenho”, característica que levou sempre os professores a orientá-lo nesse sentido. No 9º ano seguiu uma “aventura” na área da Arte e do Design, mas cedo percebeu que não gostaria daquele domínio para uma carreira profissional, embora hoje se dedique a desenhar algumas peças de mobiliário, mas “apenas para uso pessoal”. A arquitectura, essa sim, uma paixão, poderia ter sido a alternativa profissional, se a ciência não tivesse falado mais alto. A bioquímica seduziu-o por ser “a licenciatura que melhor preparação oferece para a investigação”, mas estava longe de imaginar que essa escolha faria dele, volvidos poucos anos, um dos jovens investigadores de maior relevância na comunidade científica nacional.

Em 2005 Hélder Maiato fundou a sua equipa de investigação, que tem trabalhado no sentido de perceber o mecanismo de divisão das células e as implicações desse processo no desenvolvimento de doenças como o cancro ou a Trissomia 21. Saber “como é a informação genética de uma célula é transmitida às células da geração seguinte” é o grande objectivo da equipa do IMBC liderada pelo cientista. A grande inovação do trabalho desenvolvido pelos sete investigadores que lidera prende-se com o facto de, trabalhando com células vivas, terem conseguido “combinar uma série de tecnologias – não só moleculares, mas também ópticas, relacionadas com lasers – que nos permitem estudar dentro da célula, ainda viva, a importância de determinadas estruturas, genes e moléculas". O trabalho de Hélder Maiato foi diversas vezes reconhecido internacionalmente, e a conquista de galardões, entre os quais avultam o Prémio da Sociedade Portuguesa de Genética Humana 2004, o Estímulo à Investigação da Fundação Calouste Gulbenkian ou o Prémio Crioestaminal em Investigação Boiomédica, confluem para a inequívoca confirmação do mérito das investigações que liderou. “Revelam algum reconhecimento e o reforço de que a estratégia que estabelecemos é uma estratégia válida e que poderá trazer grande informação sobre a divisão celular”. O investigador acredita que “foi também premiada a continuidade de um trabalho que chegou sempre a resultados importantes”, mas ainda assim considera “prematuro” traçar um balanço da investigação.

 

O CAMINHO

 

A finalização do próprio sistema-piloto de microcirurgia laser, o primeiro na Europa, é em si mesmo uma vitória, que só foi possível com os vários apoios recebidos pela sua equipa, entre os quais o recente Prémio Crioestaminal, que segundo o cientista permitiu “manter na minha equipa elementos-chave envolvidos no processo”, além da “aquisição de alguns componentes que permitem melhorar significativamente a performance do sistema”. Findo o processo mais ou menos moroso de angariação de fundos e apoios, Hélder Maiato considera ter agora todas as condições para dar início à fase de experimentação propriamente dita. Afirmando-se um optimista, diz que “com as pessoas certas tudo de consegue”, escamoteando assim o peso das dificuldades sentidas, mas já ultrapassadas.Apesar dos seus curtos 31 anos, Hélder Maiato sabe que já colheu a admiração da comunidade científica portuguesa e internacional, mas assevera que está à procura do seu próprio caminho. “Não sei se isto é o que quero fazer para o resto da vida”, confidencia, embora considere ter neste momento “uma série de questões para as quais gostaria de ter resposta”, e que de alguma forma lhe dão energia para montar a estratégia correcta no sentido de encontrar as respostas que procura. “No fundo o que estamos a tentar fazer é encontrar respostas. Parece efémero, mas é isso que fazemos”, explica, em nome da equipa que dirige. Tendo em conta que este é “um trabalho de uma vida, e com um grau de certeza insuficiente”, o jovem cientista dá conta de uma forte convicção: a ciência é “uma área fascinante”.Sabe que de cada resposta alcançada surgirão necessariamente novas perguntas, e esse processo contínuo de inquirir e descobrir, para voltar a inquirir, “faz parte do caminho científico”, sendo importante “ter uma liberdade e flexibilidade suficientes para nos deixarmos levar para onde os resultados nos encaminharem”. Sublinha que, no domínio científico, é massa crítica – as pessoas – que conta, mais do que os meios de que se dispõe, apesar de estes obviamente poderem castrar anseios de ir mais longe em termos de investigação. No entanto, para Hélder Maiato, “são as pessoas que fazem a diferença entre a boa e a má ciência”. “O facto de termos o melhor orçamento não serve de muito se não tivermos as pessoas certas. Sem elas jamais faremos boa ciência”, assegura.Considerando que em Portugal a questão orçamental constitui um handicap, e que sempre que um cientista pensa em fazer um pós-doutoramento surge sempre no horizonte a necessidade de rumar aos Estados Unidos – “é lá que estão todos os recursos que permitem explorar melhor a capacidade criativa dos cientistas” –, diz que, “até por isso, é importante dotar os laboratórios nacionais das pessoas mais adequadas e com mais mérito”. Mas porque “obviamente ninguém faz omoletes sem ovos, é importante termos as pessoas, mas é preciso dar-lhes condições para que possam trabalhar”. Esse tem sido um dos factores que têm levado os cientistas portugueses para o estrangeiro, nomeadamente para os Estados Unidos. Contudo, Hélder Maiato acredita que “em Portugal têm sido tomadas as medidas certas para começar a atrair as pessoas de volta”.

 

 

O FUTURO

 

Recusando falar de um fenómeno de «fuga de cérebros», preconiza a necessidade de pôr em prática “medidas sustentadas e de longo prazo para levar os cientistas a regressar a Portugal”, explicando que o processo poderá ser demorado, “talvez de gerações”, mas salientando sempre que “as pessoas que regressam, e a quem são dadas as condições necessárias, conseguem fazer coisas, e isso deve servir como incentivo para que outras pessoas queiram regressar, e para atrair outras pessoas”. Os portugueses têm uma razão muito própria para voltarem ao seu país, mas há a necessidade de usar argumentos diferentes para atrair, além dos nativos, também os estrangeiros. São incentivos que “passam muito pela questão do dinheiro”, reconhece, mas que não se esgotam nesse aspecto.Quando olha em volta, no panorama científico português, em busca de cientistas da sua faixa etária, Hélder Maiato é forçado a constatar que “são muito poucos os que trabalham em Portugal”. Os que partem são, muitas vezes, investigadores de grande valia, “pessoas fantásticas que, em qualquer sítio onde lhes sejam dadas as condições de que precisam, vão de certeza ter sucesso e trazer prosperidade aos que a eles se associarem”. Admitindo que no nosso país é latente a inexistência de oportunidades – “Olho para o lado e os meus amigos estão quase todos lá fora, porque não têm oportunidades de se afirmarem por cá” –, o investigador admite alguma “preocupação” com esse aspecto, mas frisa que “também há a necessidade de um maior empreendedorismo e iniciativa por parte das pessoas para criarem o seu próprio emprego”.

 

A determinação volta assim ao discurso de um homem que aprendeu a depender de si, mas que admite ter tido sempre “a sorte de estar no lugar certo à hora certa”, aproveitando todas as oportunidades que se desenharam no seu destino. Aponta, porém, a necessidade de políticas concretas para alavancar a Ciência portuguesa, exortando o Estado a assumir a criação de condições para fixar os investigadores portugueses, se não houver forma de os privados absorverem o tecido científico made in Portugal. “Se tivermos determinação podemos chegar onde quisermos”, enfatiza, acrescentando que “o importante é termos ambição e não nos sentirmos limitados na nossa capacidade de realização. Podemos chegar onde quisermos. O que conseguiremos vai depender de quanto isso é importante para nós e da nossa determinação”. Na opinião de Hélder Maiato é indiscutível que “o futuro, como o passado, pertence aos cientistas”. O investigador considera que enquanto houver ciência haverá uma esperança, designadamente no que diz respeito à área das Ciências da Saúde, diz com evidente satisfação e orgulho que, “enquanto forem investidos recursos para explorar o desconhecido, haverá sempre esperança na resolução dos problemas, nomeadamente no que diz respeito à investigação sobre doenças”. Sentado ao seu microscópio, tem também a esperança de em breve chegar a respostas para tantas perguntas que se atropelam no pensamento inquieto da ciência. Aos investigadores que trabalham em Portugal deixa uma mensagem curta, mas plena de convicção e de certeza: “Fazer ciência em Portugal “é possível”.

 

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