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REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL «O PRIMEIRO DE JANEIRO» EM NOVEMBRO DE 2007

DENÚNCIA FEITA AO JANEIRO É COMPROVADA PELA LIGA DE BOMBEIROS PORTUGUESES

Ambulâncias sem tripulantes

 

A lei obriga as ambulâncias de socorro e transporte de doentes a circular sempre com dois tripulantes, mas na prática isso não acontece. Uma denúncia feita ao JANEIRO por um bombeiro voluntário foi confirmada pela LBP, que no entanto esclareceu os contornos do incumprimento…

 

CARLA TEIXEIRA

CURSOS DE FORMAÇÃO

PREPARAM SOCORRISTAS

 

 

Os cursos de Tripulante de Ambulância de Socorro, ministrados pelo Instituto Nacional de Emergência Médica ou pela Escola Nacional de Bombeiros, têm a duração de 120 horas, ao longo das quais são abordadas matérias como o funcionamento do corpo, o exame da vítima de acidente ou doença, reanimação cardiopulmonar, insuficiência respiratória, convulsões, acidente vascular cerebral, entre outras matérias. No dia 13 deste mês o INEM deu início a um novo curso de TAS, destinado a 21 elementos das corporações de bombeiros dos distritos de Vila Real e Bragança, que até ao dia 17 de Dezembro receberão formação, suportada pelo INEM, estrutura ligada ao Ministério da Saúde. Esta é a quarta acção de formação de TAS que o INEM promove no Norte do País desde o início deste ano, numa política de descentralização que pretende dar resposta às solicitações das associações de bombeiros, e que já prestou formação em Aveiro, Viseu e Viana do Castelo.

 

LEIGOS E PROFISSIONAIS

 

Respondendo a pedidos da população nesse sentido, o INEM implementou, através do seu Departamento de Formação em Emergência Médica e das diversas direcções regionais, um conjunto de produtos pedagógicos para proporcionar as competências necessárias à correcta abordagem de uma vítima em paragem cárdio-respiratória e as técnicas básicas de emergência. Para tal, o instituto dá aos interessados a hipótese de se inscreverem em cursos de assistência de adultos e crianças para leigos e para profissionais de saúde, bem como num curso de Técnicas Básicas de Emergência. A oferta formativa do INEM oferece ensinamentos sobre o suporte básico de vida para adultos e crianças para leigos e para profissionais, além das técnicas de emergência.

 

Carla Teixeira

O Regulamento de Transporte de Doentes em vigor em Portugal está a ser violado de forma sucessiva por uma parte considerável das ambulâncias afectas às associações de bombeiros que prestam aquele serviço. À luz do diploma legal que aprovou aquele regulamento (a portaria 1147/2001, de 28 de Setembro de 2001, que foi emitida pelos ministérios da Saúde e da Administração Interna naquele ano e que posteriormente foi alvo de alterações introduzidas pelas portarias 1301-A/2002, de 28 de Setembro, e 402/2007, de 10 de Abril), o transporte de doentes, reservado ao Instituto Nacional de Emergência Médica e às entidades reconhecidas pelo INEM ou que formalizaram com aquela instância acordos nesse sentido, tem necessariamente de ser feito a bordo de veículos tripulados por dois elementos, em que pelo menos um tem de estar habilitado com o curso de Tripulante de Ambulância de Transporte (TAS).

No entanto, e de acordo com uma denúncia feita a O PRIMEIRO DE JANEIRO por um bombeiro voluntário que solicitou o anonimato, essa estará longe de ser a realidade, já que “é relativamente comum a circulação de ambulâncias de transporte (as que fazem a distribuição pelos hospitais dos pacientes em ambulatório sempre que têm consulta marcada ou se têm de tirar um gesso ou realizar um qualquer exame de diagnóstico) apenas com um tripulante, o motorista da ambulância, sendo que o paciente segue na parte de trás do veículo completamente sozinho”. Pedro (nome fictício) assevera que teve oportunidade de testemunhar, ao longo de várias vezes em que teve se deslocar ao Hospital de São Teotónio, em Viseu, que “eram muitas as ambulâncias que davam entrada no recinto das urgências transportando somente o motorista e, na rectaguarda do veículo, o paciente, sem qualquer acompanhamento”.

Enquanto bombeiro voluntário, um papel que encarna no tempo que a não colocação como professor lhe concede, Pedro está “particularmente atento a estas questões”, e foi com “profunda surpresa e estupefacção” que viu a cena repetir-se várias vezes em poucos dias. Recordado de um episódio recente ali bem perto, quando um doente que era transportado numa ambulância sem tripulante de Castro D’Aire para Viseu acabou por falecer depois de sofrer um ataque cardíaco, ficou “naturalmente alarmado” com a situação, que a Liga de Bombeiros Portugueses desmistifica. Instado a comentar este episódio, o comandante Fernando Vilaça, vogal do Conselho Executivo da LBP, disse que, de facto, “é comum a circulação de ambulâncias apenas com o motorista, mas só no caso de ambulâncias de transporte, e nunca em viaturas de socorro”.

A diferença é facilmente explicada, se for tida em conta a própria terminologia utilizada pelos bombeiros: “transporte” diz respeito à distribuição dos pacientes pelos hospitais, quando se trata de pessoas que se encontram em regime de ambulatório e que têm de ir a uma consulta ou submeter-se a um exame rápido, enquanto “socorro” respeita a ambulâncias que prestam apoio a vítimas de acidente ou a doentes que precisam de monitorização durante a fase de transporte para a unidade hospitalar. E se no capítulo 3º do Regulamento de Transporte de Doentes se diz que a tripulação das ambulâncias de transporte e socorro é sempre constituída por dois elementos (um é em simultâneo o condutor da viatura), devendo pelo menos um deles estar habilitado com o curso de Tripulante de Ambulância de Transporte ou de Tripulante de Ambulância de Socorro, consoante o caso, a verdade é que muitas vezes, no caso específico das ambulâncias de transporte, o doente segue sozinho na traseira da viatura.

Fernando Vilaça reconhece que se trata de uma violação da lei, mas recorda que “nos taxis, que também procedem ao transporte de doentes para os hospitais, não segue na viatura qualquer médico, enfermeiro ou tripulante de transporte/socorro, seguindo o doente apenas com o motorista”. O mesmo responsável lembrou igualmente que, “até meados deste ano, a lei exigia que houvesse três tripulantes a bordo das ambulâncias de emergência, mas normalmente elas circulavam só com dois, e foi para atender aos interesses do INEM que saiu uma portaria a regularizar a circulação apenas com dois tripulantes”. No caso vigente, a denúncia feita por Pedro diz respeito à circulação de várias ambulâncias transportando apenas o doente e o motorista, situação que aquele vogal do Conselho Executivo da LBP considera “impossível”.

Fernando Vilaça desafia o JANEIRO a “ir a qualquer hospital do País”, e refere o “seu” São Marcos, em Braga, “contar as ambulâncias que se encontram estacionadas com o motorista apenas, que aguarda o regresso do paciente que foi tirar um gesso, fazer um exame ou submeter-se a uma consulta médica”. Garante que serão “dezenas” as viaturas naquelas circunstâncias, em qualquer unidade hospitalar que se visite, mas atesta, convicto, que “não podem ser ambulâncias de socorro, porque essas circulam sempre com dois elementos”. E explica: “O transporte de emergência só é feito em maca. São pessoas que sofreram um acidente, um ataque cardíaco ou um AVC, que têm de ser assistidas durante a viagem até ao hospital, e obviamente não é o homem que conduz a ambulância que lhes vai prestar esse apoio. Só em caso de negligência grosseira alguém ousaria tal coisa”, vincou, assegurando que a denúncia chegada ao JANEIRO, e que “devia ter sido feita às autoridades e à LBP”, só poderá ter por base uma confusão entre os conceitos de “ambulância de transporte” e “ambulância de socorro” por parte do bombeiro que lançou o alerta.

FALTA DE PESSAL

E FORMAÇÃO INADEQUADA

 

Dados estatísticos recentes estimam que, só no primeiro semestre deste ano, tenham sido cerca de 130 mil os casos de transporte de doentes em situação de emergência feitos por bombeiros municipais e voluntários sem qualquer formação de Tripulante de Ambulância de Transporte ou de Tripulante de Ambulância de Socorro, numa situação que contraria o disposto na legislação em vigor no nosso país. O número de saídas de bombeiros sem formação adequada, resultantes da necessidade de responder a todas as solicitações do Centro de Orientação de Doentes Urgentes do INEM, corresponde a uma franja de 49 por cento do total daqueles pedidos e das assistências feitas pelos chamados “soldados da paz”, que saíram dos quartéis com indicação para afectarem apenas um elemento a cada ambulância.

 

LBP ACUSA INEM

 

Na reacção a estes números, divulgados há algumas semanas, o presidente do INEM deu conta de alguma “preocupação”. Cunha Ribeiro reconheceu que “a situação não é nova”, explicando que “é preciso sensibilizar os parceiros para a importância de uma aposta efectiva na formação adequada dos bombeiros”, com quem, segundo admitiu, “não tem havido bom entendimento e parceria”, sendo também necessária “uma maior capacidade logística e financeira”. Naquela altura o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses acusou o INEM de não prestar a devida formação e de há diversos anos não financiar a Escola Nacional de Bombeiros. As palavras de Duarte Caldeira foram desvalorizadas pelo porta-voz do INEM, que disse ao JANEIRO que, nos últimos três anos, aquelas duas entidades formaram um número de tripulantes de ambulâncias de transporte e socorro superior aos alcançados em qualquer outro período da sua história (ver texto principal).

 

Carla Teixeira

HOSPITAL DE VISEU NEGA EXISTÊNCIA DE PROBLEMAS E INEM DESCARTA RESPONSABILIDADES

"Oferta formativa suficiente"

 

O Hospital de São Teotónio, em Viseu, garantiu ao JANEIRO não ter conhecimento da entrada nas urgências daquela unidade de ambulâncias com um só tripulante, nem de problemas com a formação dos efectivos. O INEM distingue falta de meios de falta de formação.

 

CARLA TEIXEIRA

 

Porque a denúncia feita a O PRIMEIRO DE JANEIRO dava conta da entrada nas três urgências do Hospital de São Teotónio, em Viseu, de várias ambulâncias apenas com um tripulante em poucas horas – e ainda que a unidade de saúde não tenha qualquer relação com as alegadas irregularidades cometidas pelas associações de bombeiros que procedem ao envio daquelas viaturas e à respectiva afectação de meios humanos para cada uma delas –, a nossa reportagem foi ouvir o hospital. Em nome da direcção o responsável pelo gabinete de Relações Públicas do Hospital de São Teotónio, Luís Viegas, assegurou que, “consultados os funcionários do Serviço de Urgência, além do coordenador de segurança do hospital, a informação que temos é a de que ninguém se terá apercebido dessa situação”, havendo inclusivamente quem garanta que todas as ambulâncias que dão entrada naquele estabelecimento são tripuladas pelos dois elementos exigidos na letra da lei.

No entanto, e recordando o caso recente de um paciente que morreu a bordo de uma ambulância quando era transportado de Castro d’Aire para o Hospital de Viseu, tendo sofrido uma síncope cardíaca num momento em que não havia qualquer tripulante de socorro na célula sanitária da ambulância, uma enfermeira daquela unidade confirmou já ter presenciado a chegada de doentes que viajavam “sozinhos na parte traseira da ambulância”, ou que, mesmo estando dois, por vezes “vêm os dois na frente e nenhum ao lado do doente”, esclarecendo que, a par da falta de efectivos, há “uma carência significativa” na sua qualificação. Uma acusação que o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Duarte Caldeira, também fez há algum tempo, acusando o Instituto Nacional de Emergência Médica de não ter “suficiente oferta formativa” e de inclusivamente não financiar a Escola Nacional de Bombeiros há vários anos.

Em declarações ao JANEIRO o porta-voz do INEM insurgiu-se com a confusão entre conceitos e com a “má-fé” de quem tece tais acusações, aproveitando-se do facto de os jornalistas não estarem por dentro da realidade do sector. Pedro Coelho Santos é peremptório na defesa da importância da formação, mas garante que “o número de tripulantes de ambulâncias de transporte e socorro saídos dos cursos de formação do INEM e da Escola Nacional de Bombeiros nos últimos anos é “muito significativo” e “mais do que suficiente” para cobrir as necessidades do País.

NÚMEROS DO INEM

FORMAÇÃO SUFICIENTE

 

Recusando as acusações de que o INEM não fornece oferta formativa suficiente para as necessidades de socorro em Portugal, o porta-voz da estrutura avança os números relativos aos últimos três anos, para dizer que “Portugal já formou mais tripulantes do que qualquer outro país”, explicando porém que “os corpos de bombeiros funcionam à base de voluntários, que vão saindo”. Pedro Coelho Santos é, ainda assim, categórico no estabelecimento da fronteira entre a falta de efectivos e a falta de formação. Atesta que “de 2004 a 2007 o INEM formou 1613 TAS e a Escola Nacional de Bombeiros 417 TAT”, tendo havido 1007 recertificações (reciclagem de conhecimentos em pessoas que já tinham aqueles cursos).

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