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REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL «O PRIMEIRO DE JANEIRO» NO DIA 10 DE AGOSTO DE 2006

PORTUGAL É LÍDER DA UNIÃO EUROPEIA NO NÚMERO DE ACIDENTES FERROVIÁRIOS FATAIS

Quando os comboios matam...

 

Há suicídios, tentativas de suicídio e crimes, mas a negligência que abre caminho ao acidente tem sido a grande responsável pelo número gritante de episódios mortais em linhas-férreas nacionais. Ontem uma mulher foi colhida em Aveiro, mas sofreu apenas ferimentos ligeiros.

 

CARLA TEIXEIRA

O risco da ocorrência de acidentes mortais associados à movimen-tação de comboios é particularmente elevado em Portugal, que de acordo com um estudo do Eurostat é o país da União Europeia recor-dista naquele «ranking», com uma média de três mortes por cada mi-lhão de quilómetros de circulação. O relatório tem por base dados rela-tivos a 2004 e não inclui estatísticas sobre suicídios, embora uma fonte da Rede Ferroviária Nacional (Refer) tenha dito a O PRIMEIRO DE JANEIRO que essa é uma das razões principais para justificar o volume significativo de pessoas que anualmente são feridas ou colhidas mor-talmente em estações e apeadeiros nacionais, em plena linha ou nas zonas limítrofes àquelas estruturas ou passagens de nível.

No dia em que a estação de Aveiro amanheceu com um alarme de aci-dente, com a notícia de uma senhora que teria sido colhida pelo Alfa Pendular que às 8h30 passava naquela estação, proveniente de Lisboa e com destino ao Porto, o JANEIRO apurou que em Portugal continua a ser dramático o volume de episódios do género, e mais graves, sendo comuns casos de suicídio e tentativas de suicídio, quedas para a linha e crimes (pessoas que foram empurradas).

Numa pesquisa não exaustiva relativa a 2005, confirmou-se perto de duas dezenas de colhidas fatais, a que se junta outros atropelamentos em que as vítimas só sofreram ferimentos ligeiros e numerosos casos de colisões entre automóveis e comboios em passagens de nível. No caso de ontem, à luz de informações avançadas pela Refer, a vítima encontrar-se-ia na zona-limite da plataforma de embarque, para lá da linha amarela que delimita a área de espera dos passageiros e tem visa impedir a aproximação aos comboios que circulam sem paragem na estação), embora fonte dos Bombeiros Velhos de Aveiro, que socorreram a senhora no local, tenha informado que ela seguia de bicicleta junto à linha no momento do impacto com a composição. Confrontada com esse dado, fonte do gabinete de Comunicação e Imagem da Refer explicou que “se a senhora tivesse caído à linha e fosse apanhada pelo comboio tinha obviamente morrido”. Ao invés, a mesma fonte adiantou que a senhora teria sido “colhida de raspão”, atingida por um dos espelhos do Alfa Pendular.

 

PASSAGENS DE NÍVEL

 

Uma vez que “o comboio não sai da linha”, a Refer considera que é a “negligência das pessoas” que abre caminho à maior parte dos acidentes, frisando que, em Portugal, casos destes “não são, infelizmente, raros”, e que no Verão é comum o aumento dos episódios mortais. Puxando de estudos científicos que mostram que há situações anómalas do foro psíquico a justificar parte importante do problema, a fonte garantiu ao JANEIRO que “há sempre muitos suicídios, e isso a Refer não pode controlar ou evitar”, mas reconheceu que também as passagens de nível continuam a ser motivo de preocupação. É com base nessa preocupação que desde a sua criação, em 1997, a Refer tem vindo a desenvolver “intensa actividade com vista à supressão das passagens de nível”. Em Dezembro de 1996 Portugal mantinha em funcionamento 3295 daqueles pontos, por vezes com poucos metros entre si. No seu primeiro ano de actividade, a empresa fez baixar aquele número para 3212, e na senda desse esforço tem vindo a fechar muitas passagens de nível, mantendo hoje em funcionamento 1335. O objectivo é “encerrá-las todas”, mas actualmente Portugal está já abaixo da média europeia de passagens de nível (0,5 por quilómetro de via), depois de, em Março, ter atingido um índice de 0,47 cruzamentos nivelados. Asseverando que, em termos de serviço, “as passagens de nível são obstáculos para a Refer”, a empresa congratula-se com o trabalho que vem fazendo e frisa que, a breve trecho, Portugal deixará de ter aqueles pontos negros. Face aos protestos das populações, que por vezes resistem ao encerramento, pede a colaboração das autarquias na “sensibilização das pessoas para a utilização de alternativas mais seguras”.

 

ACIDENTES MORTAIS SÃO ÀS CENTENAS

 

À luz do último estudo do departamento de estatísticas da União Europeia relativo a essa temática, que tem por base dados de 2004, os acidentes ferroviários registados em Portugal mataram 101 pessoas naquele ano. Na origem da maior parte dos casos documentados estão manobras com carruagens e acidentes em passagens de nível, que atiram o nosso país para o primeiro lugar do «ranking», com três mortes por cada milhão de quilómetros de circulação ferroviária (o triplo do que valor aferido em países como a Hungria, por exemplo). As mortes ocorridas em solo nacional são provocadas sobretudo pela circulação de locomotivas (68 casos confirmados em 2004), acidentes no cruzamento de vias-férreas e descarrilamentos. Na investigação feita pelo JANEIRO aos acidentes ocorridos com comboios ao longo deste ano, concluiu-se que pelo menos 17 pessoas terão perdido a vida em episódios relacionados com atropelamentos, colhidas, tentativas de suicídio ou mesmo crimes (pelo menos duas pessoas terão sido empurradas de plataformas de embarque para a linha), havendo um número elevado de feridos na sequência de outros acidentes com comboios. Em Janeiro, um agente da PSP morreu em Lisboa, quando caiu à linha e foi colhido, após ter salvo um jovem embriagado que tinha tropeçado nos carris. Foi o primeiro de vários episódios dramáticos ocorridos este ano, que “privilegiaram” a Linha do Norte, mas que também fi-zeram a história da Linha de Sintra, da Linha do Oeste, do Ramal de Alfarelos e nas estações de Santos (Lisboa) e Viana do Castelo. A 4 de Julho, o des-carrilamento de um comboio de mercadorias junto à estação da Pampilhosa (Linha do Norte) obrigou à interrupção da circulação, mas não causou vítimas.

 

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