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REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL «O PRIMEIRO DE JANEIRO» A 8 DE MARÇO DE 2007

DIA INTERNACIONAL DA MULHER ASSINALA LUTAS E PRECONCEITOS

O eterno feminino…

 

Óscar Wilde disse um dia que “a história da mulher é a história da pior tirania que o mundo conheceu: a tirania do mais fraco sobre o mais forte”. Desvalorizado durante séculos, o sexo feminino renasceu das cinzas de uma violenta tragédia. Foi há 150 anos, em Nova Iorque...

 

 

CARLA TEIXEIRA

 

Num mundo que escapa aos olhos e às memórias da actualidade, a mulher nasceu como encarnação do pecado, do vício e da malícia. Silenciada durante séculos na sombra dos acontecimentos (que por vezes influenciava da retaguarda), e afastada do quadro de concepções sociais medievais, em que apenas os homens – clérigos, nobres e camponeses – tinham lugar, num véu que só princesas, infantas e santas logravam romper, à figura feminina era reservada a esfera privada do lar, entre as lides doméstidas e os cuidados com os filhos. Fechada naquele espaço residual, a mulher era tida como um ser menor, sem vontade nem direitos, forçada a manter o estilo de vida definido por figuras masculinas: primeiro o pai, depois o marido. Uma realidade que tem vindo a ser escamoteada pelas próprias mulheres, com avanços e recuos, altos e baixos de um percurso vitorioso, mas ainda incompleto.

A génese do Dia Internacional da Mulher, que hoje se assinala, remonta ao dia 8 de Março de 1857, há precisamente 150 anos. Nesse dia teve lugar aquela que é tida como uma das primeiras manifestações, a nível mundial, organizadas por mulheres trabalhadoras, que reivindicavam direitos que ainda hoje, volvido um século e meio, geram desigualdades e constituem motivo de descontentamento. Numa altura em que lhes era exigido o cumprimento de um horário laboral de 16 horas diárias e imperavam os baixos salários, centenas de operárias têxteis saíram à rua em Nova Iorque, denunciando as más condições de trabalho. As manifestantes ocuparam as instalações, mas a manifestação acabaria por ser silenciada da pior maneira, com a polícia a trancar as tecelãs no interior da fábrica, incendiando-a de seguida.

Foram precisos 53 anos para que o acto desumano perpetrado naquele dia tivesse como consequência, numa homenagem às vítimas da tragédia em Nova Iorque, a proclamação do dia 8 de Março como Dia Internacional da Mulher, numa efeméride que a Organização das Nações Unidas só viria a assumir em 1975. Mais do que a oferta de flores que muitas vezes marca esta data, ela pretende ser um momento de reflexão em torno dos problemas que afectam as mulheres em todo o mundo. A organização de colóquios, conferências e reuniões que colocam a mulher no centro das atenções é uma realidade na maioria dos países, com o objectivo de minorar, e a médio prazo extirpar, o estigma de ser mulher.

Num mundo em constante transformação, as mulheres conseguiram, no século XX, assumir o ónus da mudança nas suas relações com os homens, desencadeando o advento de uma nova mentalidade e encaixando “novos” direitos. Ainda a braços com fortes desigualdades no campo laboral (não são ainda raras as situações em que as mulheres ganham menos do que os homens no desempenho das mesmas funções profissionais), chamaram às suas mãos o domínio sobre questões como a sexualidade e a família, o reconhecimento de que são seres dotados de inteligência e sensibilidade, bem como o direito de apostarem numa carreira profissional.

JOANA MARQUES VIDAL, PRESIDENTE DA APAV, DEIXA MENSAGEM ÀS MULHERES

"Que tomem o futuro

nas suas próprias mãos"

 

O percurso jurídíco e de reconhecimento dos direitos das mulheres está já bastante completo a nível legal, mas persistem “grandes discriminações no mundo laboral no Ocidente”, quando “no Oriente a situação relativa à violência é ainda mais grave”.

 

 

CARLA TEIXEIRA

 

Na balança que pesa as circunstâncias de ser mulher, a violência e a discriminação social e laboral assumem um peso fundamental, que empurra para baixo o prato do “lado mau” da condição feminina. Familiarizada com essa realidade negra que para o comum cidadão se expressa em números sem rosto – terão sido 27 as mulheres mortas pelos maridos ou companheiros em casos de violência doméstica relatados às autoridades ao longo do ano passado –, a presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima considera que “os dias internacionais são sempre alturas em que se chama a atenção dos cidadãos para um conjunto de problemas”, vincando que, no caso das mulheres, a violência e a discriminação continuam a ser as questões mais prementes.

Em declarações a O PRIMEIRO DE JANEIRO, Joana Marques Vidal recordou que “as mulheres e as crianças são as pessoas mais atingidas” por aqueles problemas, designadamente no Ocidente, denunciando a “grande fragilidade” do sexo feminino, cujos direitos estão já amplamente reconhecidos no papel mas continuam ausentes na prática. De acordo com a presidente da APAV, e sendo certo que “dar uma flor à mulher para celebrar o dia internacional é simpático, mas não é suficiente”, importa chamar a atenção das pessoas para os problemas que afectam as mulheres, que a nível pessoal são maltratadas pelos homens e a nível laboral têm uma média de salários inferior à deles. Às mulheres que a sociedade conhece como números das estatísticas da violência, Joana Marques Vidal deixa a mensagem: “Que tomem o futuro nas próprias mãos. É preciso que as vítimas de violência tomem consciência de que querem deixar de o ser. Isso implica agir, denunciar e procurar apoio”.

 

ONU APELA À UNIÃO

NA DEFESA DA MULHER

 

Depois de, no passado dia 25 de Fevereiro, no âmbito de uma campanha para pôr fim à violência sobre as mulheres, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas fez “um chamamento aos homens de todo o mundo”, instando-os a dar um bom exemplo naquela matéria, tendo em conta que “a violência contra as mulheres é algo próprio de cobardes”, e que “levantar-se contra essa violência é uma atitude que honra os homens”, Ban Ki-Moon dirige hoje às mulheres de todo o mundo uma mensagem em que recorda os objectivos assumidos em 2005 por uma maioria de países que considerou que “o progresso da mulher é o progresso de todos”. Na sua mensagem do Dia Internacional da Mulher 2008, a que O PRIMEIRO DE JANEIRO teve acesso, o responsável máximo da ONU notou que “a análise da aplicação da Plataforma de Acção de Pequim na última década evidencia que a norma está, em muitos países, muito longe da prática”. Ban Ki-Moon lembra ainda que neste ano se cumpre “metade do prazo fixado para atingir os Objectivos do Milénio”, enfatizando que esse propósito só será cumprido “se apostarmos nas mulheres e nas meninas”, apelando à “união nessa missão”.

 

C.T.

 

 

CANAL SIC MULHER

COMPLETA CINCO ANOS

 

O Dia Internacional da Mulher assinala também o aniversário do primeiro canal de televisão português concebido para o público feminino. Nascido em 2003, o canal assume como principal objectivo a “difusão de uma programação de qualidade destinada à mulher que não se revê nos outros canais disponíveis no panorama televisivo da actualidade”. A grelha SIC Mulher baseia-se em programas de ficção nacional e estrangeira, com destaque para os magazines, talk-shows, as séries e os filmes que abrangem temas vocacionados para o público feminino.

 

CARLA TEIXEIRA

MULHERES NA HISTÓRIA

 

Brites de Almeida, a padeira de Aljubarrota: A 14 de Agosto de 1385 entrou para a História de Portugal como símbolo da coragem e do inconformismo, quando se juntou ao exército português para derrotar o invasor castelhano. Ao encontrar sete espanhóis escondidos no forno, recorreu à sua pá e, tomada de zelo nacionalista, matou-os sem piedade, liderando depois um grupo de mulheres que perseguiram os fugitivos nas redondezas.

 

Maria de Lourdes Pintasilgo: Foi a única primeira-ministra portuguesa, tendo sido ainda embaixadora e eurodeputada. Jorge Sampaio, ex-Presidente da República, viu nela uma “cidadã notável que serviu Portugal nos mais altos cargos, sempre com talento, dedicação inexcedível e numa atitude inovadora e com sentido ímpar de serviço à comunidade”.

 

Natália Correia: Intelectual e activista social, poetisa e deputada à Assembleia da República, onde interveio em prol da cultura, dos direitos humanos e das mulheres. Tornou-se conhecida pela personalidade livre de convenções sociais e pelo vigor das suas intervenções, que se reflectem na sua obra, traduzida em várias línguas.

 

Cecília Supico Pinto: A “primeira-dama” do Estado Novo. Definiu Salazar como “um verdadeiro príncipe”, apreciador da sua alegria, que admirava a frontalidade e ouvia os seus conselhos. Foi a principal dirigente do Movimento Nacional Feminino, órgão pró-regime que se destacou na guerra das campanhas de África.

 

Lúcia de Jesus: Juntamente com os primos Jacinta e Francisco Marto, conhecidos como os três pastorinhos, disse ter visto Nossa Senhora na Cova da Iria, perto de Fátima, em 1917. Tornou-se figura de proa da religião em Portugal, foi portadora do Terceiro Segredo de Fátima. Beatificada em 2000, morreu em 2005. O processo de canonização está em curso.

 

Margaret Thatcher: Ronald Reagan considerou-a “o melhor homem de Inglaterra”, e ela afirmou, em tom espirituoso, que se os seus delatores a vissem andar sobre as águas do Tamisa diriam que não sabia nadar. A sua determinação na liderança dos destinos do país – foi a primeira primeira-ministra de uma democracia moderna – valeu-lhe a alcunha de “dama de ferro”.

 

Rosa Parks: Foi uma costureira negra norte-americana, símbolo do Movimento dos Direitos Civis. Ficou famosa em 1955, quando recusou dar o seu lugar no autocarro a um homem branco.

 

Mary Quant: Estilista britânica, ficou conhecida na década de 1960 por ter criado a mini-saia, peça de vestuário que revolucionou a relação das mulheres com a moda. Em poucos anos, abriu 150 filiais em Inglaterra e 320 nos Estados Unidos, de onde partiu para milhares de pontos de venda em todo o mundo.

 

Madre Teresa de Calcutá: Ganxhe Bojaxhiu nasceu em Agosto de 1910 na cidade de Skopie, capital da Macedônia. Aos 12 anos despertou para a vocação religiosa e hoje é tida como a missionária do século XX. Naturalizada indiana, desenvolveu um projecto de apoio aos desprotregidos na Índia e foi beatificada pela Igreja Católica.

 

Oprah Winfrey: Foi eleita a mulher de raça negra mais rica do século XX, a negra mais filantrópica de sempre e a única multimilionária por três anos consecutivos. É tida também como a negra mais influente do mundo. Produtora e apresentadora de um talk-show de sucesso nos Estados Unidos, é conhecida pela sua generosidade para com os mais pobres e prepara o lançamento de um canal televisivo próprio.

 

Marilyn Monroe: Nome artístico de Norma Jean Baker, uma das mais famosas actrizes norte-americanas de sempre, símbolo de sensualidade e popularidade no século passado.

 

C.T.

 

PORQUE "A MULHER CIGANA PODE SER O QUE QUISER, SEM DEIXAR DE SER QUEM É"...

Autonomia sem fuga à tradição

 

O casamento e a maternidade precoces “empurram” as meninas ciganas para fora da escola quando ainda teriam muito a aprender. Olga Mariano falou ao JANEIRO da cultura do seu povo, e de como a emancipação da mulher cigana poderá ajudar também o homem…

 

 

CARLA TEIXEIRA

 

“Tem sido um percurso muito pequenino, mas firmado com uma grande solidez”. É assim que Olga Mariano, a presidente da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas (Amucip), definiu, em declarações a O PRIMEIRO DE JANEIRO, o trabalho que aquela entidade tem levado a cabo desde 2000, com os objectivos essenciais de “minimizar o absentismo escolar das meninas ciganas” e de “fazer chegar o dia em que as mulheres ciganas terão os mesmos direitos e os mesmos benefícios de qualquer mulher, obviamente com dias melhores e piores, como acontece com todas as pessoas”. A autonomia da mulher, um conceito que até há poucos anos era completamente impensável no seio da comunidade cigana, levou Olga Mariano a criar a Amucip, mas a responsável frisa que “não se pretende pôr em causa a identidade da mulher cigana nem o sentimento de pertença à etnia”. É que “a mulher cigana pode ser o que quiser, sem deixar de ser quem é”, frisa. Considerando que “todas as mulheres têm tarefas dobradas”, na medida em que são obrigadas a conciliar a vida pessoal e a organização do lar com a vida profissional, a cigana tem “um peso ainda maior” sobre as costas, já que tem “um papel muito definido” pela sua comunidade: “Além de esposa, mãe, filha e avó, é vendedora ambulante, e não pode ser mais nada”, lamenta Olga.

Afirmando que “as ciganas são muito mães-galinha", concretiza que "os nossos filhos são sempre muito acarinhados, mas também por isso permanecem infantis e dependentes, e quando pedem ao pai autorização para alguma coisa, ele manda-os ir ter com a mãe. Isso não é bom para o homem, que também devia ser responsabilizado pela educação dos seus filhos”. Vincando que o objectivo da associação “não é o rompimento com a tradição e com a cultura cigana”, a presidente da Amucip explica que “não temos de ser sempre e só vendedoras ambulantes. Temos capacidades para ser mais, se nos for dada a oportunidade de estudar e de aprender”. Sobre o Dia Internacional da Mulher, que admite não ser uma data muito divulgada junto da sua etnia, Olga considera que “o dia faz sentido”, mas contrapõe o facto de não existir, na comunidade cigana, a “noção de que este dia deve ser celebrado”. E lembra que há uns anos, o então Presidente da República Jorge Sampaio convidou a Amucip para as celebrações da efeméride, e “as mulheres participantes acharam engraçado”.

 

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