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REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL «O PRIMEIRO DE JANEIRO» DE 5 DE NOVEMBRO DE 2007

ISABEL ALÇADA, COMISSÁRIA DO PLANO NACIONAL DE LEITURA, EM ENTREVISTA AO JANEIRO

"Balanço não poderia ser melhor"

 

Os livros são caros para quem não gosta de ler. Para quem aprecia a leitura, a rede nacional de bibliotecas permite conhecer grandes obras e escritores gratuitamente. O alerta é de Isabel Alçada, comissária do Plano Nacional de Leitura, que enaltece o sucesso da iniciativa...

 

CARLA TEIXEIRA

 

Um ano depois do lançamento do Plano Nacional de Leitura, e de há poucos dias o primeiro-ministro e a ministra da Educação terem traçado um balanço dos primeiros meses do projecto, de que é comissária, que balanço traça do que foi feito?

O aspecto mais positivo que registei foi a enorme adesão de todos os actores que tinham como missão a promoção da leitura: professores e educadores, animadores e bibliotecários. Todos tiveram uma reacção muito favorável e revelaram um grande empenho no desenvolvimento do programa, de tal forma que, além das actividades propostas no PNL, muitos foram ainda mais longe e dinamizaram outras actividades que não tinham sido pedidas. Houve grande espírito de iniciativa da parte de todos os envolvidos, e esse terá sido o factor mais positivo. Por outro lado, conseguimos, graças a várias acções e parceiros, que o Plano Nacional de Leitura alcançasse na generalidade das escolas, em todo o País, uma visibilidade muito favorável. 

 

No entanto Portugal está ainda muito longe dos níveis mínimos exigíveis no que diz respeito aos hábitos de leitura... 

O ambiente social em relação à leitura ainda não é igual ao dos países do Norte da Europa, onde toda a gente lê, mas a visibilidade que conseguimos para o PNL foi muito grande, e pais, famílias e sociedade em geral foram informados e ficaram muito disponíveis para a iniciativa.

 

Mas é preciso ir mais longe... 

A expectativa foi muito positiva, mas precisamos de ir mais longe e envolver mais gente e mais promoção da leitura. Fomos contactados por um grande número de associações, e estabelecemos muitas parcerias com muitas fundações. Ainda no dia 31 de Outubro estive em Alcácer do Sal a assinar protocolos com as bibliotecas escolares do Alentejo Litoral. Tem sido muito boa a adesão de todos os parceiros. Exemplo curioso disso é o dos médicos de família, que nos contactaram no sentido de participar na sensibilização dos jovens pais para a importância de lerem com os filhos. A leitura promove a saúde também. Há estudos que demonstram que quanto maior é o grau de literacia dos cidadãos melhor é o quadro de saúde pública, já que as pessoas mais informadas estão geralmente mais receptivas ao aconselhamento médico.

 

Então tem razão de ser o adágio de que “quem lê mais sabe mais”?

Quem lê sabe mais e é mais saudável. Em termos de grupo funciona realmente assim. Quanto mais as pessoas lêem, mais se mostram predispostas a ouvir e a informar-se sobre o que se passa à sua volta. Na conferência de apresentação do balanço do primeiro ano de funcionamento do Plano Nacional de Leitura, que teve na há dias na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, foram apresentados os resultados de um conjunto de estudos desenvolvidos por diversos centros de investigação sobre os hábitos de leitura dos portugueses, porque tivemos de saber quais eram os hábitos existentes para mais tarde termos níveis de referência e podermos fazer uma avaliação mais aprofundada da evolução que o plano permitiu. Sabemos que estamos na direcção certa, mas isso não é suficiente: é necessário traçar metas e depois atingir essas metas. Não podemos ir demasiado devagar, e confiar apenas no facto de sabermos estar a caminhar no sentido certo.

 

A ideia que foi preconizada nessa conferência pelo primeiro-ministro, de que no fim deste ano lectivo todas as escolas públicas do Ensino Básico terão uma biblioteca, faz parte dessas novas metas? É uma meta exequível?

Hoje temos uma rede de 1800 bibliotecas apetrechadas com todo o material, o que já é uma rede bastante apreciável, tendo em conta que foi lançada há 10 anos. O que o primeiro-ministro disse na Gulbenkian foi que temos de acelerar e completar o que já foi feito, fazendo com que todas as escolas EB 2/3 do País tenham uma biblioteca associada. Não significa que haja uma biblioteca em todas as escolas, mas que todas as escolas terão acesso garantido a uma biblioteca com todas as condições para poderem desenvolver um trabalho de qualidade. O importante é criar mecanismos que nos permitam desenvolver as capacidades de trabalho da leitura dentro da sala de aula, com todo o tipo de livros, porque a diversificação é muito positiva para os alunos.

 

O balanço não podia então ser melhor?

Este trabalho é entusiasmante, e o balanço não poderia mesmo ser melhor. Sentir que estamos a fazer um trabalho importante e que há um reconhecimento pelo que fazemos é extremamente gratificante. Um estudo de Scott Murray, especialista da Universidade de New Brunswick, no Canadá, que também participou na conferência do balanço do primeiro ano do Plano Nacional de Leitura, concluiu que a leitura é essencial ao desenvolvimento económico de um país. De acordo com ele, só daqui a algumas dezenas de anos será possível realizar uma análise completa da relação custo/benefício do PNL e do dinheiro público gasto com ele, para perceber se ele trouxe benefícios económicos e sociais tangíveis para o desenvolvimento do País, em termos de aquisição de competências, produtividade e criação de riqueza...

 

Os portugueses que não lêem, ou que lêem menos do que seria desejável, referem muitas vezes razões como a falta de tempo ou o preço dos livros. Que comentário lhe merecem essas “desculpas” para não ler?

O movimento é crescente, há cada vez mais pessoas que lêem. E há pessoas que gostam muito de ler, outras que gostam mais ou menos e há também aqueles que não gostam, mas quem gosta de ler varia nos gostos e nos géneros de literatura preferidos. Dizer que as pessoas não têm tempo para ler é uma falsa questão. É verdade que a vida das pessoas em Portugal é complicada, mas a forma como as pessoas equacionam e gerem o seu tempo é que leva a que tenham ou não tempo para ler, ou para fazer muitas outras coisas. O dia dos leitores e dos não leitores é igual: tem 24 horas. Por que é que uns encontram algum tempo para ler e os outros acham que não é possível? Tem tudo a ver com a forma como gerem o seu tempo, mas é certo que o benefício da leitura é insubstituível.

 

Mas tendo em conta o mercado português, os livros são ou não são caros?

O preço dos livros deve ser visto em função do número de leitores. Em Portugal são mais caros do que em Espanha, que é um país três ou quatro vezes maior do que o nosso, porque cá temos menos potenciais leitores, e quanto maiores forem as tiragens menos se dilatam os preços dos livros. No entanto, em alternativa à compra de livros temos uma excelente rede de leitura pública, que podia ser mais frequentada, onde os livros são gratuitos. As pessoas têm de perceber que a leitura é positiva e essencial, e que é também uma competência generosa. É como andar de bicicleta: quanto mais lermos, melhor seremos capazes de ler e de interpretar o que lemos, porque é certo que quem não é capaz de interpretar correctamente o que lê dificilmente poderá desenvolver o gosto pela leitura. O preço dos objectos tende a ser visto de acordo com a valorização que lhes damos, com o interesse que eles nos despertam, mas se não achamos que determinada roupa é cara, porque valorizamos a marca, por exemplo, então por que haveríamos de considerar que os livros são caros? Tudo tem a ver com o interesse que temos nas coisas... Em alternativa à compra de livros temos uma excelente rede de leitura pública, que podia ser mais frequentada, onde os livros são gratuitos. As pessoas têm de perceber que a leitura é positiva e essencial, e que é também uma competência generosa. É como andar de bicicleta: quanto mais lermos, melhor seremos capazes de ler e de interpretar 6 que lemos, porque é certo que quem não é capaz de interpretar correctamente o que lê dificilmente poderá desenvolver o gosto pela leitura.

 

Investimento reforçado pela tutela

 

O primeiro aniversário do lançamento do Plano Nacional de Leitura foi assinalado a 22 e a 23 de Outubro numa conferência realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em que o primeiro-ministro e a ministra da Educação fizeram o balanço e apontaram as perspectivas de futuro do projecto.

 

No encontro foram apresentados os resultados de uma avaliação externa, feita pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, ao impacto do PNL na mudança dos hábitos de leitura dos cidadãos portugueses, em especial dos estudantes, e apresentada a intenção do Governo de reforçar o investimento nas fases seguintes do plano. José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues presidiram à sessão pública de divulgação de vários estudos, realizados sob a coordenação de António Firmino da Costa, do ISCTE, e que, na generalidade, apontam para um “balanço positivo” do primeiro ano daquela medida, designadamente no que concerne a adesão das escolas e das autarquias que foram sendo integradas no projecto.

Em comunicado enviado a O PRIMEIRO DE JANEIRO, o Ministério da Educação refere que “os avaliadores apuraram que 83% das escolas consideram que o Plano é positivo no reforço da promoção da leitura na sala de aula”, recordando que “a adesão das escolas abrangeu 7500 estabelecimentos de jardim-de-infância e escolas do primeiro e do segundo ciclo do Ensino Básico”, que, segundo dados da tutela, “significa o envolvimento de um milhão de crianças”. Nas tarefas que foram sendo propostas e cumpridas pelos alunos no âmbito do PNL, foi atestada uma “adesão forte ou muito forte”, comum a todos os níveis de ensino que o programa envolveu, sendo que, em cerca de 70% dos estudantes houve, de acordo com os professores, “progressos no domínio da leitura”.

Tendo em conta estes números, o Governo anunciou em Lisboa que pretende “continuar a apostar na promoção da leitura, reforçando o investimento na rede de bibliotecas escolares, de modo a que até final do corrente ano lectivo todas as escolas públicas do Ensino Básico estejam integradas naquela rede”. Um reforço que deverá passar por uma aposta na criação de 20 novas bibliotecas para integrar a rede de leitura pública e no investimento de cinco milhões de euros em bibliotecas escolares. Até final deste ano lectivo, ainda de acordo com informações avançadas pelo Executivo na conferência de Outubro, serão construídas as 130 bibliotecas que estão em falta nas escolas básicas, estando igualmente prevista a “consolidação da rede nas escolas do Ensino Secundário, com a renovação de 17 bibliotecas”.

Nessa linha o Governo prevê investir 1,5 milhões de euros no apetrechamento com livros das novas valências, cabendo às autarquias envolvidas igual investimento. No comunicado enviado ao JANEIRO, o Ministério da Educação salienta também o facto de, ao longo dos 10 anos decorridos depois da criação da rede de bibliotecas escolares, o número daqueles espaços ter sofrido um aumento exponencial, de 150 para 1900 unidades. De acordo com a tutela, “a conclusão da rede de bibliotecas escolares até ao final deste ano lectivo e o desenvolvimento do Plano Nacional de Leitura ao longo dos próximos nove anos, serão factores determinantes no sentido de dar uma continuidade à promoção dos hábitos de leitura na população escolar e na população portuguesa em geral”. 

 

C.T. 

QUEM É?

 

Isabel Alçada nasceu no dia 29 de Maio de 1950, na cidade de Lisboa, e é a mais velha de três irmãs. Viveu uma infância muito acompanhada por tias e primas, num universo feminino em que, não obstante, era o pai, “homem de pulso firme, alegre, optimista e criativo”, quem exercia a autoridade. Inventando histórias e jogos, além de passeios e visitas a museus, num “desafio e estímulo permanente” apresentado às três filhas e para os familiares e amigos que as acompanhavam, proporcionou-lhes uma infância e uma juventude envoltas “num ambiente alegre, caloroso, feliz e rico de vivências”. Frequentou o Liceu Francês Charles Lepierre, onde concluiu o Ensino Secundário, e obteve depois a sua licenciatura em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Casou na véspera de completar 18 anos de idade, e ainda a estudar, tendo depois iniciado a sua vida profissional no centro de formação e orientação profissional Psicoforma. Concluído o curso, ingressou nos quadros do Ministério da Educação e participou activamente na Reforma do Ensino Secundário em 1975/76. No ano seguinte optou por seguir a carreira docente, ensinando Português e História. Foi depois convidada para trabalhar na formação de professores, como orientadora de estágio. Foi nessa qualidade que participou em cursos e seminários em Portugal e no estrangeiro. Fez mais tarde o mestrado em Ciências da Educação na Universidade de Boston, nos Estados Unidos, e hoje integra o quadro docente da Escola Superior de Educação de Lisboa. Publicou diversos estudos e estreou-se como escritora de livros infanto-juvenis em 1982, em parceria com Ana Maria Magalhães. É com ela, sob chancela da Editorial Caminho, que assina a sua mais conhecida colecção de livros para os mais novos, sob o título genérico de «Uma aventura».

 

Fonte: Editorial Caminho

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