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REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL «O PRIMEIRO DE JANEIRO» NO DIA 14 DE NOVEMBRO DE 2007.

DIABETES AFECTA 230 MILHÕES DE PESSOAS EM TODO O MUNDO E 900 MIL PORTUGUESES

Rumo a uma epidemia mundial

 

O 4º Inquérito Nacional de Saúde, divulgado em Junho, apurou a existência de 650 mil doentes diabéticos em Portugal, mas os especialistas referem o sub-diagnóstico e falam em 900 mil. A doença já afecta 230 milhões de pessoas no mundo e deverá chegar aos 350 milhões em 2050. 

 

CARLA TEIXEIRA

 

Os números são claros e deixam pouca margem para dúvidas: dados da Federação Internacional da Diabetes estimam em cerca de 230 milhões o número de pessoas que, à escala mundial, sofrem da doença, prevendo-se já que aquele número possa atingir os 350 milhões em 2025. Diariamente, segundo a mesma fonte, ocorrem 200 diagnósticos de diabetes de tipo 1 em crianças, sendo que actualmente haverá, em todo o mundo, cerca de 440 mil portadores da doença com menos de 15 anos. Em Portugal, à luz dos resultados do 4º Inquérito Nacional de Saúde, elaborado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, em parceria com o Instituto Nacional de Estatística, e apresentado no passado mês de Junho, há uma franja de 6,5 por cento da população portuguesa que sofre de diabetes.

Uma percentagem que equivale a dizer que hoje serão aproximadamente 650 mil os doentes diabéticos diagnosticados em território continental, a que se juntam 6,7 por cento dos açorianos e 4,6 por cento dos madeirenses. No entanto, aos números avançados pelo inquérito, resultante da auto-referenciação dos portadores de várias patologias, os especialistas em diabetes apontam um sub-diagnóstico que deverá “atirar” o número de diabéticos nacionais para muito perto dos 900 mil, ao mesmo tempo que também as patologias normalmente associadas à diabetes descreveram uma evolução preocupante, com a hipertensão a registar um crescimento superior a cinco pontos percentuais, de 14,9 para 20 por cento.

Quando a Organização Mundial de Saúde aponta a diabetes como quarta causa de morte na maioria dos países desenvolvidos, estimando que a cada 10 segundos se dê a morte de uma vítima da doença (um índice de mortalidade que deverá registar um aumento de 25 pontos na próxima década, se não forem tomadas as medidas necessárias para estancar o avanço da epidemia, que põe em causa a manutenção da actual esperança média de vida), em Portugal assiste-se também a uma subida galopante do número de afectados pela doença, que “privilegia” o sexo feminino e tem tendência para se agudizar à medida que a idade avança. Só nos últimos sete anos a prevalência da diabetes descreveu uma subida de dois por cento no nosso país…

 

PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE DIABETOLOGIA AO JANEIRO

“SPD vai fazer um estudo de prevalência”

 

Por ocasião do Dia Mundial da Diabetes, que hoje se comemora, O PRIMEIRO DE JANEIRO questionou o presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia sobre os números da doença. Luís Gardete Correia estimou para breve o arranque de um estudo de prevalência.

 

À conversa com o JANEIRO à margem do I Fórum Nacional da Diabetes, que teve lugar no passado sábado na cidade do Porto, o especialista lembrou uma resolução das Nações Unidas que, em Dezembro do ano passado, preconizou a tomada de medidas no sentido de “que todos os países desenvolvam programas de prevenção da diabetes”, e que os orçamentos de Estado contemplem essa necessidade. Para o responsável pela SPD a realização do fórum, que reuniu especialistas, técnicos e doentes, materializou-se num “acontecimento inovador com larga repercussão”, que soma mérito numa semana em que “pela primeira vez a Organização das Nações Unidas decidiu assinalar a efeméride”.

Salientando a existência de 200 a 300 mil diabéticos não diagnosticados no nosso país, “pessoas que têm a doença, mas que ainda não sabem disso”, Luís Gardete Correia adiantou a intenção da Sociedade Portuguesa de Diabetologia de, a breve trecho, dar início a um estudo de prevalência da doença, a fim de aferir os números correctos e actualizados da diabetes lusitana, estimando que os resultados possam ser conhecidos já em meados do próximo ano. Comentando a evolução sentida nos meios de diagnóstico e tratamento da patologia, congratulou-se por existirem “mais armas terapêuticas” e maior grau de informação e sensibilização, sendo já raros os episódios em que “as pessoas entravam nos hospitais descompensadas. Isso não acontece actualmente, e os serviços de saúde funcionam hoje muito melhor”.

 

C.T.

 

 

MONUMENTOS: DIA EM TONS DE AZUL

 

Porque o azul é a cor da diabetes, à meia-noite de hoje foram muitos os edifícios públicos e monumentos que, um pouco por todo o mundo, “vestiram” aquela cor. Em Portugal iluminaram-se a Torre dos Clérigos, no Porto, a Câmara Municipal de Lisboa e o Arco da Rua Augusta, entre outros pontos, enquanto no estrangeiro se associaram à medida inúmeros edifícios emblemáticos.

MITOS E REALIDADES

SOBRE A DIABETES

 

Mito 1:

“Não comer açúcar é o principal objectivo da dieta do diabético”. Falso. A restrição da ingestão de açúcar ou alimentos açucarados é apenas uma parte da chamada “dieta do diabético”, mas não esgota os cuidados obrigatórios do doente.

 

Mito 2:

“A diabetes de tipo 2 é uma doença menos grave do que a de tipo 1”. Falso. A diabetes de tipo 2 é apenas uma variante da doença, e não sendo correctamente tratada constitui uma doença tão ou mais grave do que a de tipo 1.

 

Mito 3:

“A diabetes de tipo 1 ocorre nas crianças e nos jovens, enquanto a de tipo 2 é uma doença exclusiva dos adultos”. Falso. Embora seja esse o cenário habitual, a generalização é inadequada, porque nem sempre se verifica isso. Cerca de metade dos diabéticos adultos não-gordos é doente de tipo 1 e em situações bastante raras de diabetes familiar ou de obesidade a diabetes nas criança ou nos jovens pode ser do tipo 2.

 

Mito 4:

“A insulina é injectada nas veias”. Falso. A insulina é normalmente injectada no tecido subcutâneo através de uma picada na pele da barriga, das coxas ou dos braços. Só em situações de urgência e no hospital é que pode ser administrada nos músculos ou nas veias, em perfusão contínua.

 

Mito 5:

“Uma vez iniciado o tratamento com insulina, não é possível deixá-lo”. Falso. Esse é um dos receios dos diabéticos que necessitam de iniciar a terapia insulínica, mas alguns doentes de tipo 2 podem necessitar de tratamento com insulina durante alguns períodos – quando são internados ou intervencionados cirurgicamente ou se o tratamento oral não está a resultar – e depois retomar a medicação. As grávidas diabéticas também necessitam por vezes de insulina, e só muito raramente vêm a precisar dela fora da gravidez.

 

DIABETES DE TIPO 1 É A DOENÇA PEDIÁTRICA MAIS COMUM NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS

Duzentos casos por dia na Europa

 

A Federação Internacional da Diabetes estima que 20 por cento dos 440 mil casos de diabetes de tipo 1 em crianças ocorram na Europa, à razão de 200 diagnósticos por dia. A prevalência da doença aumenta três a cinco por cento ano na população pré-escolar…

 

CARLA TEIXEIRA

 

A edição deste ano do Dia Mundial da Diabetes centra-se essencialmente no tema «A diabetes na criança e no adolescente», tendo como principal objectivo chamar a atenção dos governos e da comunidade internacional para o aumento exponencial da taxa de prevalência da doença – quer de tipo 1, quer de tipo 2 – nas populações mais jovens. Dados da Federação Internacional de Diabetes estimam que mais de 240 milhões de pessoas sofram da doença à escala global, entre as quais haverá aproximadamente 440 mil crianças com a diabetes de tipo 1, 20 por cento delas no continente europeu. Também a diabetes de tipo 2, tida durante muito tempo como uma doença de adultos, está a afectar cada vez mais crianças e adolescentes. Os números não deixam margem para dúvidas: a diabetes está a transformar-se numa epidemia mundial, e urge tomar medidas que travem o processo.

De acordo com o coordenador do Programa Regional de Prevenção e Controlo da Diabetes nos Açores – onde hoje terão lugar várias acções de sensibilização para a problemática da doença, que incluem também rastreios da obesidade, da diabetes e da hipertensão arterial, bem como actividades de promoção da actividade física –, “as crianças não são poupadas a esta epidemia global, nem são poupadas às suas consequências, às limitações que traz e às complicações que podem pôr em risco a sua própria vida”. Rui César aponta o “aumento anual da diabetes de tipo 1 de três a cinco por cento nas crianças e nos adolescentes, a começar muito cedo, ainda na idade pré-escolar”. Um dado assustador, se tivermos em conta que, traduzindo em números aquela informação, serão cerca de 70 mil crianças com menos de 15 anos que se vêem a braços com a doença a cada ano que passa. “Duzentas por dia”.

Estes e outros números serão lembrados ao longo de todo o dia de hoje, um pouco por todo o mundo, tendo como principal objectivo dar conta da necessidade de uma aposta mais urgente e efectiva no combate à doença. No nosso país, e em concreto no que respeita aos doentes mais novos, a luta contra a diabetes tem sido liderada pela Associação de Jovens Diabéticos de Portugal, presidida por Paulo Madureira. Em declarações a O PRIMEIRO DE JANEIRO o responsável explicou que a AJDP está a dinamizar, desde há alguns dias, a terceira edição da Semana do Diabético, conceito inédito em todo o mundo e que foi desenvolvido pela associação em 2005 e que termina hoje, com a realização de rastreios gratuitos em estações do metro e diversos outros pontos de aglomeração de pessoas, por todo o País, salientando a necessidade de consciencializar as pessoas para os números da doença.

Ainda com o intuito de assinalar a efeméride a Associação de Jovens Diabéticos de Portugal lança hoje o seu novo site (www.ajdp.org), “destinado a todas as pessoas que queiram saber mais sobre a diabetes e a comunidade diabética”, que tem como grande novidade, face à página actual, a criação de um espaço de troca de ideias e de perguntas e respostas em que “serão os próprios doentes a responder e a dizer aos que visitam o site em que consiste a diabetes”. Será, comentou, “uma espécie de fórum, mas mais dinâmico do que os fóruns tradicionais na internet”. Tendo em conta que “o anterior site foi desenvolvido por um voluntário da associação, o novo é feito por uma empresa especializada, mas será mais fácil de actualizar”, sublinha o presidente da AJDP.

Apontando como grande reivindicação da associação a comparticipação da terapia com recurso à bomba infusora de insulina, e frisando que “Portugal é o único país da Europa que não prevê qualquer tipo de comparticipação” para aquele método de tratamento da diabetes, Paulo Madureira lembra que a AJDP ofereceu há dias dois daqueles aparelhos a “dois jovens carenciados que nunca teriam a oportunidade de usar a bomba”, pelo seu elevado preço de aquisição e manutenção, concretizando que “as novas descobertas caminham para a cura da diabetes, mas provavelmente não na nossa geração”…

 

ANADIA: SENSIBILIZAÇÃO

NO CENTRO DE SAÚDE

 

Assinalando o Dia Mundial da Diabetes, o Núcleo Concelhio de Diabetes do Centro de Saúde de Anadia, freguesia do distrito de Aveiro, promove hoje duas sessões de esclarecimento sobre a doença. Com arranque previsto às 10 e 15 horas, segundo informações avançadas por Mário Sousa, médico daquela unidade de saúde, serão duas sessões centradas na exposição, “em frases curtas e apelativas”, dos últimos dados disponíveis sobre a doença, bem como sobre a sua sintomatologia e o modo de lhe fazer frente. O contacto será individual, havendo também lugar à distribuição de folhetos informativos e ao diálogo com alunos de Enfermagem que abordarão os utentes do centro de saúde, que pretende alertar a população para a importância de “adoptar uma alimentação mais saudável e a prática de exercício físico”, bem como para o “controlo analítico periódico” que permita um diagnóstico precoce.

DOENÇA EM EXPANSÃO

 

Tendo em conta que “a diabetes, ao contrário da maioria das doenças, é facilmente controlável se o doente cumprir um plano alimentar adequado, praticar exercício e respeitar a terapêutica” os responsáveis pelo Núcleo Concelhio do Centro de Saúde de Anadia pretendem “motivar os cidadãos para a problemática da diabetes, que se encontra em franca expansão no mundo e em Portugal”. Mário Sousa recorda que, “face à alteração da tradicional dieta mediterrânica para a corrente “fast-food”, mais rica em gorduras, açúcares e sal, com o consequente aumento de peso excessivo e obesidade, designadamente entre os mais jovens, a que não é estranho também o sedentarismo, é obrigação dos serviços de saúde alertar a população para encarar este problema de frente e com seriedade”.

DISPOSITIVO MELHORA

A QUALIDADE DE VIDA

 

Um estudo realizado em Itália analisou a qualidade de vida de 1341 diabéticos de tipo 1 e concluiu que os doentes submetidos à terapia com bomba de insulina vivem com menos restrições associadas à doença do que aqueles que têm de sujeitar-se às múltiplas injecções diárias. A análise italiana, cujos resultados são, segundo os especialistas, muito semelhantes à realidade portuguesa, aferiu igualmente que as limitações normalmente associadas à diabetes, designadamente no que respeita ao regime alimentar e à ocorrência de episódios de hipoglicemia (40 por cento inferior nos doentes que utilizam a bomba de insulina), estão normalmente na origem de um maior grau de insatisfação nos doentes diabéticos, mas concluiu ainda que no caso dos pacientes que usam o novo método terapêutico o descontentamento com o tratamento é 70 por cento menos incisivo, facto a que não deverá ser alheia a circunstância de a bomba diminuir em cerca de 120 o número de picadas por mês.

 

EFEITO POSITIVO

 

No âmbito do estudo realizado em Itália foram constituídos dois grupos de doentes: 481 receberam tratamento com a bomba infusora de insulina e os outros 860 foram tratados com as múltiplas injecções diárias tradicionais. Antonio Nicolucci, médico director do Laboratório de Epidemiologia Clínica de Diabetes e Cancro do Instituto Mario Negri Sud de Chieti, declarou, a propósito destes dados, que “a terapia com a bomba de insulina resultou numa redução do número de episódios hipoglicémicos, produzindo um efeito positivo sobre a qualidade de vida dos doentes diabéticos”, e salientou que “mesmo aqueles que têm diabetes complicadas e difíceis de controlar ficaram satisfeitos quando utilizaram a bomba de insulina”.

 

CARLA TEIXEIRA

TERAPIA INSULÍNICA NÃO COMPARTICIPADA EM PORTUGAL

Uma bomba de esperança

 

Portugal é o único país europeu que não prevê qualquer tipo de comparticipação no tratamento da diabetes com bomba de insulina, que custa 3500 euros e motiva uma despesa mensal de 150 euros em consumíveis. As vantagens do método ainda não convenceram a tutela.

 

CARLA TEIXEIRA

Rita Santos é uma jovem portuguesa de 18 anos, e tinha apenas 10 meses quando lhe foi diagnosticada uma diabetes de tipo 1. Durante anos sujeitou-se à tirania das múltiplas injecções diárias, inicialmente administradas pela mãe, num ritmo de vida que cedo se revelou incomportável, uma vez que, recorda, tinha de se injectar com insulina “sempre que comia”, situação que obrigava a constantes ajustamentos das rotinas de toda a família. Recentemente Rita descobriu o que classifica como “uma terapia que pode revolucionar a vida dos diabéticos mais pequenos, que têm medo das injecções, e dos pais”, agora mais libertos para os seus afazeres.

Disponível há pouco tempo em Portugal, a bomba infusora de insulina materializou uma mudança profunda na vida desta estudante de Medicina, que recorda o início e as vantagens do inovador dispositivo: “Comecei a usar a bomba de insulina para ter maior controlo da diabetes, mas também porque me sentia cansada de me injectar. Com a bomba basta carregar num botão, e não há necessidade de mais picadas, o que me dá maior conforto e segurança. A vida ficou mais fácil para mim e para a minha mãe”, salienta, sem disfarçar a satisfação com a alteração num tratamento que em nenhuma altura da sua vida poderá abandonar.

Helena Cardoso, especialista em endocrinologia, diabetes e nutrição no Hospital de Santo António, no Porto, explica que “a bomba de insulina é um pequeno aparelho electrónico que contém um reservatório com insulina de acção rápida e que é ligado a um tubo fino, conduzindo a insulina até um cateter colocado debaixo da pele, que tem de ser substituído de três em três dias. Desta forma, consoante as refeições, a actividade física e os níveis de stress, o diabético pode fazer variar a quantidade de insulina administrada, sem necessidade de mais picadas”. A terapia com utilização da bomba de insulina permite um melhor controlo da doença do que as tradicionais múltiplas injecções diárias, já que, com apenas 10 picadas por mês (evitando cerca de 120 no mesmo período), é possível controlar a doença.

Também na opinião de Francisco Carrilho, médico endocrinologista dos Hospitais da Universidade de Coimbra, são claras as vantagens do novo método no controlo da doença, que começa, afirma, “numa melhor prevenção das suas complicações”. De acordo com aquele especialista, “investir no bom controlo da diabetes equivale a poupar recursos, pois evita-se o surgimento de complicações e doenças que, além do sofrimento humano que causam, obrigam ao gasto de recursos profissionais e económicos muito elevados”. Mas, e porque “não há bela sem senão”, a bomba de insulina tem um custo de 3500 euros, a que se soma uma despesa mensal de cerca de 150 euros em consumíveis, sendo Portugal o único país da Europa em que não está previsto qualquer tipo de comparticipação no tratamento, que é, actualmente, a grande reivindicação dos doentes, como disseram ao JANEIRO vários especialistas na doença.

 

Se a bomba de insulina satisfaz os diabéticos de tipo 1, para os doentes de tipo 2 há também uma nova esperança. As picadas diárias e a dependência constante da utilização de medicamentos poderão estar perto do fim, vindo a ser substituídos por uma cirurgia ao intestino delgado. O novo método está ainda a ser testado no Brasil e na Costa Rica, segundo José Luís Medina, presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, mas é comum como resposta a casos de obesidade, servindo também para “controlar os níveis de colesterol, hipertensão e triglicerídeos”. Destina-se essencialmente a doentes “diabéticos com muito peso ou com complicações graves”.

BOMBA DE INSULINA

INDICADA PARA CRIANÇAS

 

A presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e Diabetologia Pediátrica considera que o recurso à terapia insulínica com bomba infusora é um método com grandes vantagens também no tratamento de crianças e adolescentes que sofrem de diabetes do tipo 1. Tendo em conta as limitações a que a generalidade daqueles doentes ainda se vê sujeita no seu quotidiano, Ana Fagulha atesta que são factores positivos decorrentes da utilização daquele pequeno aparelho a diminuição do risco da ocorrência de episódios de hipoglicemia, o aumento da flexibilidade no estilo de vida dos pacientes e a menor variabilidade dos valores da glicemia, lembrando que, porque a diabetes se encontra amplamente disseminada entre crianças e jovens dos países desenvolvidos, urge tomar medidas no sentido de permitir apostar numa melhor qualidade de vida dos doentes diabéticos, designadamente quando se trata de pessoas ainda muito novas.

 

CRIANÇAS E ATLETAS

 

No seguimento de uma acção de formação levada a cabo há poucos dias no Porto, em que a SPEDP procurou sensibilizar os profissionais para a relevância da terapia com bomba de insulina e promover a utilização correcta daquele dispositivo, Ana Fagulha insiste nas “múltiplas componentes teóricas e práticas da medida, visando que, a nível nacional, as equipas que prestam tratamento aos diabéticos se sintam mais seguras na utilização do novo método”. De acordo com aquela responsável, “a bomba de insulina é indicada no tratamento de crianças muito pequenas (mesmo bebés e recém-nascidos), adolescentes que sofram de perturbações alimentares ou que tenham níveis de glicemia elevados, adolescentes grávidas, meninos com fobia a agulhas, indivíduos com tendência para a cetose e atletas de competição”.

 

CARLA TEIXEIRA

ENDOCRINOLOGISTA HELENA SOUSA EM ENTREVISTA A O PRIMEIRO DE JANEIRO

Envolver o doente na terapia

 

O diabético é o seu próprio médico. Helena Cardoso, endocrinologista do Hospital Geral de Santo António, no Porto, preconiza a responsabilização e o envolvimento do paciente no tratamento, e lamenta que a vida moderna seja predisponente ao surgimento da diabetes.

 

CARLA TEIXEIRA

QUEM É?

 

Maria Helena Cardoso Pereira da Silva define-se essencialmente como especialista em Endocrinologia, a área da Fisiologia e da Medicina que se dedica ao estudo e à compreensão do modo de funcionamento e das doenças que surgem nas glândulas endócrinas. Actualmente desempenha as funções de professora auxiliar convidada da disciplina de Endocrinologia no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS), estrutura orgânica da Universidade do Porto criada em 1975 que funciona com autonomia científica, pedagógica administrativa e financeira em relação àquele estabelecimento de Ensino Superior. Durante um ano, em Londres, envolveu-se na investigação ligada à área da obesidade, tendo concluído o seu doutoramento com uma tese sobre a problemática da insulino-resistência, sendo também membro do grupo que estuda aquela matéria na Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo.Actualmente, e desde 1990, é responsável por uma consulta da especialidade de Endocrinologia Pediátrica e pela consulta de super-obesidade no Hospital Geral de Santo António, no Porto. Foi, aliás, naquela unidade de saúde que tiveram lugar as primeiras gastroblandoplastias (intervenções cirúrgicas para a aplicação de bandas gástricas) em doentes obesos, num trabalho de colaboração da equipa de Helena Cardoso com o Serviço de Cirurgia, que foi dirigido pelo médico António Sérgio, que entretanto acabaria por deixar o hospital. Publicou vários trabalhos demonstrativos da resolução da diabetes de tipo 2 com a perda de peso resultante daquele tipo de cirurgia. Depois de ter colocado a “sua” primeira bomba infusora de insulina há sete anos, acompanha 22 diabéticos naquele tratamento (o mais jovem usa o dispositivo desde os quatro anos, o mais velho colocou-o aos 65).

 

CARLA TEIXEIRA

 

 

Em que consiste exactamente a diabetes? Há sintomas ou sinais de alerta a que devemos estar atentos, nomeadamente na diabetes de tipo 1, para a qual não existe forma de prevenção?

 

Na diabetes há a incapacidade de o pâncreas produzir insulina, hormona indispensável à entrada da glicose nas células, necessária à produção de energia, sem a qual não conseguimos viver. Na diabetes de tipo 1 ocorre a destruição das células beta, produtoras de insulina dos ilhéus pancreáticos. Em resultado há uma deficiência absoluta de insulina, ficando a pessoa totalmente dependente da sua administração. Na maior parte destes casos observa-se a existência de anticorpos contra as células dos ilhéus, a favor da destruição das células beta pelos anticorpos produzidos pelo organismo, e daí a designação de diabetes auto-imune. Mas às vezes os anti-corpos não são identificados, pelo que a diabetes se designa de idiopática. Na diabetes de tipo 2 a falta de insulina é relativa. Face à resistência à acção da insulina, na maior parte das vezes provocada pelo excesso de peso, há a necessidade de aumentar os níveis de insulina. Quando o pâncreas não consegue aumentar a produção para esses níveis surge a diabetes. Como a deficiência de insulina é relativa, a pessoa não fica dependente da sua administração, podendo controlar a doença com fármacos que aumentam a sensibilidade das células à insulina, os insulino-sensibilizadores. No entanto, por vezes o bom controlo não se consegue sem recurso à terapêutica com insulina. O que importa, contudo, é o bom controlo da glicemia, com o objectivo de evitar as complicações. Portanto, em ambos os tipos de diabetes temos falta de insulina, absoluta na diabetes de tipo 1 e relativa na de tipo. Nas duas variantes da doença é muito importante ter atenção aos sintomas: na diabetes de tipo 1 para evitar um quadro grave de descompensação, e na diabetes de tipo 2, exactamente por ter uma forma de apresentação mais discreta e de início gradual, para evitar que a pessoa ande longos anos com glicemias elevadas, sem fazer o diagnóstico, sem se tratar, correndo o risco de, na altura do diagnóstico, já existirem complicações graves da doença. De forma sucinta, na diabetes de tipo 1 há um início súbito de sintomas, que incluem polidipsia (aumento da sede) e polifagia (aumento da fome), associadas à perda de peso. O quadro de uma pessoa com muita sede, a comer muito e mesmo assim a emagrecer deve levantar a suspeita de uma diabetes de tipo 1, porque se o doente não for tratado pode entrar em coma cetoacidótico, e correr risco de vida. Na diabetes de tipo 2 o início é gradual, e poderá não haver sintomas, mas habitualmente surge em pessoas obesas.

 

O Dia Mundial da Diabetes volta a chamar à ribalta os números da doença à escala mundial. De acordo com a Federação Internacional da Diabetes haverá neste momento 246 milhões de doentes, número que poderá atingir os 380 milhões em 2025, sendo que em Portugal serão já 650 a 900 mil os diabéticos. Crê que há um conhecimento aproximado da realidade ou há ainda muitos casos por diagnosticar?

 

Os estudos populacionais têm demonstrado que existem muitos casos de diabetes de tipo 2 e de alteração da tolerância à glicose (estádio anterior na evolução da doença) não diagnosticados, admitindo-se a existência de um número idêntico de pessoas diagnosticadas e não diagnosticadas. O que é muito grave, pois o diagnóstico tardio leva ao atraso no tratamento e ao aparecimento de complicações. Por outro lado, a pré-diabetes associa-se a muitos factores de risco que são modificáveis, como a hipertensão, a dislipidemia (aumento da gordura no sangue), a obesidade e o tabagismo, que devem ser agressivamente corrigidos, principalmente numa situação de diabetes ou pré-diabetes.

 

A que factores atribuiu o actual cenário nacional, em que é crescente o número de doentes jovens, a ponto de a diabetes ser actualmente a doença crónica pediátrica mais comum nos países desenvolvidos?

 

O cenário da diabetes de tipo 2 resulta do aumento do sedentarismo e da vida em cidades que desencorajam a actividade física. Brincar ao ar livre é difícil, ir para a escola a pé é muito raro e usar transportes, nomeadamente o automóvel, é quase uma inevitabilidade. A publicidade, o baixo preço dos alimentos de alto valor calórico e a sua facilidade de conservação tornam os alimentos ricos em fibras como vegetais, legumes e frutas algo que se vai dispensando ou de que não se gosta, devido à falta de hábito de comer esses alimentos. Perante isto tudo seria de surpreender que as pessoas continuassem em boa forma física e saudáveis…

 

 

Nos dias de hoje, diante dos recentes desenvolvimentos da Medicina e da Ciência, definiria a diabetes como uma doença incapacitante?

 

Diria que o principal problema da diabetes não é o problema das injecções diárias de insulina, mas a dificuldade de, mesmo com todas essas medidas, conseguir controlar a doença, evitando as complicações a médio e longo prazo, que são, essas sim, terrivelmente incapacitantes. Para um diabético, pior do que picar o dedo várias vezes ao dia, pior do que ter de administrar insulina várias vezes, é não conseguir controlar a doença. É a instabilidade glicémica, com risco de glicemias elevadas e hipoglicemias. Felizmente, os avanços da Medicina são grandes, e será importante que o diabético tenha acesso aos meios que lhe permitam obter o melhor controlo possível. É uma obrigação que a sociedade tem para com quem se viu privado de um pâncreas funcionante. No entanto, quem vai lucrar mais com esse apoio é a própria sociedade, que terá diabéticos mais saudáveis, mais produtivos e mais felizes.

 

Recentemente têm vindo a público várias notícias relativas a novos tratamentos para a diabetes, entre os quais a hipótese de transplante das ilhotas de Langerhans, anunciada há dias nos Estados Unidos, e a bomba de insulina, a cuja introdução em Portugal está ligada. Crê que, a curto prazo, com estas inovações, os diabéticos deixarão de se sentir “condenados” à partida?

 

 

A introdução de novas insulinas, algumas ainda não comparticipadas, e o recurso às bombas constituem grandes mais-valias no tratamento da diabetes. Claro que o transplante dos ilhéus e a independência da insulina é um sonho que para já só se consegue com os transplantes pancreáticos, realizados em Portugal em simultaneidade com os transplantes renais nos diabéticos em falência renal. Os transplantes de ilhéus ainda precisam de terapêutica imuno-supressora, estão limitados pela escassez de dadores e pelo tempo de insulino-dependência, que é limitado: ao fim de seis anos só 11 por cento dos receptores mantêm a insulino-independência, embora as doses de insulina necessária sejam baixas e o controlo estável. Num futuro mais ou menos longínquo é esperada a terapêutica com células estaminais. Para já a bomba de insulina e os avanços na sua automatização permitem vantagens imediatas.

 

Eventos como a Semana do Diabético, que a Associação dos Jovens Diabéticos de Portugal dinamizou nos últimos dias, ou a anunciada iluminação em tons de azul de vários edifícios em todo o mundo, para assinalar o Dia Mundial da Diabetes, fazem sentido? Como podem estas manifestações ajudar os doentes?

 

 

Chamando a atenção da sociedade e do poder político para a gravidade da doença e para as suas repercussões, para a importância de fomentar cidades mais saudáveis e a obrigação de proporcionar aos diabéticos as formas de conseguirem a optimização do seu controlo num investimento a curto e a longo prazo, mas com grande retorno, ao permitir evitar terríveis complicações da doença.

 

Que grande mensagem gostaria de deixar aos que sofrem da doença e aos seus familiares e cuidadores?

 

Quero deixar uma mensagem de esperança. Os avanços são constantes, e um pedido de grande persistência no tratamento. O diabético tem de ser o seu próprio médico, para conseguir um bom controlo no seu dia-a-dia. Para tal precisa de informação, responsabilização e grande envolvimento na terapia. O médico vai ensiná-lo a tratar-se, mas é ele que terá de assumir o comando do tratamento para que, quando mais novidades vierem, possa usufruir em pleno.

BOMBA DE INSULINA FACILITA CONTROLO DA DIABETES

Uma espécie de pâncreas electrónico

 

Como define o método de tratamento com recurso à bomba de insulina? Que vantagem traz aos doentes além do benefício óbvio de poderem evitar cerca de 120 injecções por mês?

 

O tratamento com a bomba de insulina é cómodo e permite uma maior estabilidade glicémica. Das múltiplas vantagens destacam-se a eliminação das injecções diárias de insulina e a maior flexibilidade em relação ao horário e conteúdo das refeições. As crianças são por vezes imprevisíveis, e é muito complicado obrigá-las a comer para evitar uma hipoglicemia na hora da acção máxima da insulina. A bomba, bem programada, permitirá o atraso ou a omissão de uma refeição sem baixas. Também a hipótese de administração da insulina em doses diminutas facilita o tratamento de crianças pequenas, permitindo rigor na dose administrada, por muito pequena que seja. A diminuição das excursões glicémicas, com maior estabilidade e menor risco de hipoglicemias graves, é outra mais-valia muito importante, que permite um sono mais tranquilo e evita o pavor dos pais face às hipoglicemias nocturnas. Essa estabilidade resulta de a insulina ser administrada de modo contínuo, em pequenas quantidades, o que permite uma absorção regular e elimina a imprevisibilidade da absorção das insulinas de acção intermédia, administradas em doses maiores. A possibilidade de fazer ajustes do basal nas horas de maior actividade física permite a adaptação do esquema insulínico ao padrão e à actividade, sem necessidade de refeições suplementares. Todas estas características da bomba levam ao aumento significativo da qualidade de vida do doente.

 

 

Visto que se trata de um método não comparticipado pelo Estado português, a relação custo/benefício da terapia não diminui o entusiasmo inicial face às suas vantagens?

 

Embora não comparticipada, e apesar de haver uma despesa mensal relacionada com o sistema, uma vez adquirida a bomba e a adaptação feita, o doente diabético não tem qualquer vontade de abandonar esta forma de administração, por todas as vantagens que ela representa.

 

A quem se destina este “pâncreas electrónico”? A bomba de insulina pode ser usada por toda a gente?

 

Qualquer doente diabético de tipo 1 pode usar a bomba de insulina, uma vez que é uma forma mais sofisticada de administração de insulina, que por isso oferece mais potencialidades, podendo simular melhor o modo de funcionamento do pâncreas. Se falarmos em termos de comparticipação, claro que terá de ser estabelecida uma prioridade, de modo a que seja fornecida às pessoas que possam beneficiar mais e que tenham mais necessidade dela. São exemplos de critérios utilizados em outros países para a colocação de bomba perfusora de insulina o caso de crianças em que o uso de doses de insulina muito pequenas tornem difícil a sua administração pelos métodos convencionais, crianças com problemas de alimentação, fobia às agulhas, hipoglicemias graves recorrentes, grande instabilidade glicémica, fenómeno da alvorada (aumento da necessidade de insulina durante a madrugada), entre outros.

 

Paulo Madureira, presidente da Associação de Jovens Diabéticos de Portugal, disse recentemente que os benefícios da bomba de insulina são ainda mais importantes nas crianças, que normalmente têm maior aversão às agulhas e sofrem mais com qualquer impacto que a doença possa ter na sua vida… Quer comentar?

 

Tudo isso é importante, associado também ao tempo que vão viver com a doença e à importância de prevenir todas as suas complicações. Queremos que os diabéticos mais jovens se tornem adultos saudáveis e membros activos da sociedade, a que podem dar muito.

 

C.T.

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