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REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL «O PRIMEIRO DE JANEIRO» EM DEZEMBRO DE 2006

COOPERATIVA DE APOIO À INTEGRAÇÃO DO DEFICIENTE EM SANTO TIRSO

Mostrar a mais-valia dos deficientes

São diminuídos mentais ou deficientes motores. Um acidente ou uma malformação ditou um destino de pronto catalogado como socialmente inválido, mas que pode ser rentabilizado no mercado de trabalho. A CAID acompanha homens e mulheres diferentes na busca de um emprego.

 

CARLA TEIXEIRA

A Cooperativa de Apoio à Integração do Deficiente (CAID), a funcionar no município de Santo Tirso desde 1998, surgiu no rescaldo da emancipação da Trofa, localidade que naquele ano viu reconhecido o estatuto de concelho, através da lei 83/98, de 14 de Dezembro, que acabou por deixar evidente uma lacuna na prestação de serviços aos portadores de deficiência locais. A fim de encontrar resposta para o problema, a Câmara Municipal de Santo Tirso e um grupo de empresas e forças vivas da região uniram-se e criaram uma cooperativa que passou a ser gerida segundo um modelo singular em todo o Vale do Ave, sendo sustentada por capital social misto, público e privado, de que a autarquia é o principal detentor, com 75 por cento do investimento total feito naquele projecto.

Com a finalidade de instalar a CAID, houve necessidade de criar o Núcleo de Apoio à Integração do Deficiente (NAID), designação que muitas vezes se confunde com a da cooperativa de solidariedade social sem fins lucrativos, mas que apenas respeita à estrutura física em que a mesma se encontra instalada, e que foi construída com recurso a fundos comunitários e camarários. Localizado em plena Zona Industrial de Fontiscos, às portas da cidade de Santo Tirso, o NAID está rodeado de empresas e pequenas unidades industriais que vão colaborando na integração profissional dos cidadãos que a instituição acolhe e prepara para posterior inserção no mercado de trabalho. Porque a CAID apoia essencialmente utentes das classes mais baixas – a directora do NAID disse que mais de 80 por cento dos utentes provêm de famílias carenciadas e disfuncionais –, as valências de formação profissional e actividades ocupacionais são acompanhadas de forma muito personalizada.

A integração no mercado de trabalho é o principal objectivo, mas também a grande dificuldade, como referiu a directora do centro, Guida Neto, à margem de uma visita às instalações, onde os dias são passados no cumprimento de actividades físicas, de trabalho e de lazer que funcionam como estimulantes das competências dos utentes, mas também, e essa é a grande vantagem, como actividades de recreio que os deixam “felizes e realizados”, segundo aquela responsável, cuja opinião foi prontamente corroborada pela vereadora da Acção Social na edilidade tirsense, Júlia Godinho, presente na visita em representação do presidente da câmara, Castro Fernandes, por inerência também presidente da CAID.

O QUE É?

RÉGIE-COOPERATIVA

A CAID, a funcionar desde 1998 no concelho de Santo Tirso, é em rigor uma régie-cooperativa, o que significa que foi criada com a junção de capitais públicos e privados – comunitários, da autarquia e de empresas locais –, e desempenha, de acordo com um case-study publicado no âmbito da obra «Santo Tirso, concelho de boa governança e participação pública», que traça o balanço da política municipal de acção social no município, “actividade essencial” na resposta aos portadores de deficiência que, garantiu a directora do centro ao JANEIRO, constituem uma franja significativa da população.

Actualmente, segundo Guida Neto, a instituição trabalha com 33 utentes, com idades entre os 16 e os 43 anos, tendo a preocupação de ir ao encontro das suas necessidades profissionais e ocupacionais. Concentrando o seu trabalho nas valências de formação profissional, iniciada em 1998 com três cursos, e centro de actividades ocupacionais: em 2000 constituiu-se como IPSS e em 2003 chegou a acordo com a Segurança Social para criar o CAO com capacidade para 20 utentes. Hoje tem capacidade para 60, embora esteja subaproveitada, devido à dificuldade em aprovar cursos.

QUEM SÃO OS COOPERANTES?

A Cooperativa de Apoio à Integração do Deficiente é sustentada por um capital social misto, tendo como principal accionista a Câmara Municipal de Santo Tirso, que detém 75 por cento do investimento. Fazem ainda parte da estrutura, como cooperantes, várias empresas e forças vivas do concelho: Empresa de Malhas e Confecções Lda., Arco Têxteis – Empresa Industrial de Santo Tirso, SA., Associação Comercial e Industrial de Santo Tirso, Irmandade e Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, SPM – Sociedade Portuguesa de Mediação de Seguros, SA., Sol do Ave – Associação para o Desenvolvimento Integrado do Vale do Ave, e Supercorte – Empresa de Confecções SA. A câmara municipal, na figura do seu presidente, António Castro Fernandes, preside à direcção da CAID.

COZINHA FAZ SERVIÇO DE CATERING E REFEITÓRIO PARA "PESSOAS NORMAIS"

“Um balanço muito positivo”

 

Com 12 anos de actividade, a CAID tem alturas boas e menos boas para recordar, mas a directora do centro garante que o balanço é muito positivo. Para melhorar, no entanto, é preciso sensibilizar o Instituto do Emprego e da Formação Profissional e diminuir a lista de espera.

 

CARLA TEIXEIRA

A actual responsável pelo Núcleo de Apoio à Integração do Deficiente não integrou o projecto desde a sua génese, mas atesta que, desde que assumiu as funções que hoje desempenha, não tem memória de “nenhuma desistência” de utentes, e aponta esse facto como o sinal mais evidente de que o centro funciona e tem importância e qualidade. Guida Neto considera que a cooperativa tem “impacto muito positivo no concelho”, porque veio preencher uma lacuna importante, e esse impacto “reflecte-se na procura, pela comunidade, dos trabalhos realizados pelos jovens da CAID”, destacando, nesse aspecto, a produção gastronómica e artesanal. Lamentando a existência de uma longa lista de espera, e o facto de não conseguir ainda responder a todos os pedidos, criticou os “morosos processos burocráticos” de que dependem a aceitação de mais utentes e a possibilidade de ministrar mais cursos, exprimindo o desejo de, no início de 2007, assistir ao regresso de dois cursos que já existiram, mas entretanto foram suprimidos.

Guida Neto garante que actualmente o NAID tem “muito melhores condições do que tinha antes” para assegurar o funcionamento de mais cursos e para receber “muito mais utentes” do que os actuais 33, e refere que, enquanto com a Segurança Social a relação tem sido exemplar, com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, entidade de que também depende a aprovação do alargamento dos cursos, tem sido mais difícil chegar a um acordo. Do lado das maiores conquistas da CAID, a responsável aponta o facto de se ter conseguido um grande entrosamento entre os utentes da cooperativa e a comunidade: mensalmente há actividades no exterior, e todas as semanas os jovens são incumbidos de fazer as compras no supermercado ou de ir aos correios, interagindo com a população (são naturalmente comunicativos e muito expansivos nesses contactos), almoçam com as «pessoas normais» no bar e no refeitório e, duas vezes por semana, vão nadar nas piscinas municipais.

ALI ENCONTRAM FELICIDADE E REALIZAÇÃO...

Utentes da CAID não gostam de ir de férias

Todos os anos fazem excursões e passam “três ou quatro dias em qualquer lado”. Já foram a Lisboa, Óbidos e Albufeira. Andaram de avião e costumam fazer praia. Quando o NAID fecha para férias ficam tristes. É ali que têm o mais parecido com uma família.

 

A maior parte dos projectos materializa-se através do apoio generoso e apreciado de empresas, lojas e supermercados de Santo Tirso e do distrito do Porto. O Pão de Açúcar, pela regularidade com que apoia a instituição, merece referência especial, mas há muitas outras entidades que oferecem donativos e presentes aos utentes da CAID. “Temos muita gente a ajudar-nos”, congratulou-se Guida Neto. Agora que o Natal se aproxima, a cadeia de supermercados oferecerá a cada um dos jovens um presente a escolher pelo próprio. A este propósito, a vereadora da Acção Social e da Saúde da edilidade tirsense acrescentou que “a população de Santo Tirso está muito sensibilizada para o apoio aos deficientes e para a acção social em geral”, e mesmo em alturas em que a autarquia realizou eventos destinados a outras franjas, como os idosos ou as crianças, houve apoios das empresas.

Júlia Godinho lembrou que para um espectáculo de Natal destinado aos mais novos do concelho houve “hipermercados que ofereceram os brinquedos”, e num encontro de idosos em que se pretendeu “recriar os bailes que se fazia antigamente, o Hotel Cidnay ofereceu um jantar aos pares vencedores” de um concurso de dança, tendo também, e por várias vezes, disponibilizado louças e equipamentos para realização de almoços e jantares da CAID. O concelho é “muito activo em solidariedade e na acção social em geral”, disse a vereadora, ao que a directora do NAID acrescentou a convicção de que “quando pedimos algum apoio as pessoas nunca nos dizem que não”.

 

C.T.

FORTALECER COMPETÊNCIAS PARA O MERCADO DE TRABALHO

Hino à integração do deficiente

 

A inserção no mercado de trabalho dos seus utentes é uma das dificuldades com que a CAID se debate. Se é certo que muitos têm talentos assinaláveis, também é verdade que a sociedade e as empresas não estão suficientemente sensibilizados para as mais-valias dos deficientes…

 

CARLA TEIXEIRA

O André gosta de ser entrevistado e quer ser Presidente da República. O futebol é a sua grande paixão. Explica que é adepto do Benfica e do Desportivo das Aves, mas garante que, se não ganhar nada nesta época, vai zangar-se e deixar de ser sócio. Confidencia, no entanto, que só se diz benfiquista “por causa da Marlene” (monitora do NAID), que é simpatizante do clube da Luz. Do outro lado da mesa, a Joana costura uma de muitas toalhas de Natal pintadas à mão pela Sílvia, enquanto a Maria José, o Jorge e o Zé se desdobram em actividades como pintar azulejos, figuras do presépio e vasos decorados com motivos natalícios, ou fazem desenhos alusivos ao tema, que serão vendidos em exposições dinamizadas pela instituição, ou usados em eventos para os quais os jovens utentes da CAID são chamados a prestar serviço (jantares de gala a cargo das alunas do curso de Culinária, que fabricam “rissóis e bolinhos muito bons”, como frisou a Sandra, entre gargalhadas sonoras, além de alguns produtos de doçaria regional.

O Paulo Jorge insiste em apresentar-se, repetindo, sempre com um sorriso que lhe ilumina os grandes olhos azuis, o nome e o facto de fazer anos, antecipando que, na cozinha, estará a ser preparado um bolo para a hora do almoço. O PRIMEIRO DE JANEIRO, que já passou por lá, sabe que o bolo está de facto a ser preparado, e que a surpresa não será assim tão surpresa, porque o Paulo Jorge é um dos mais recentes utentes da cooperativa, mas já sabe como as coisas funcionam. Noutra sala em que os jovens do Centro de Actividades Ocupacionais acabam trabalhos de artesanato, há um grupo de utentes que se dedica a fazer anjos. A Ana Patrícia, o José Carlos, o Pedro e o Ricardo constroem pequeninas figuras à base de massa e cola, que une as diferentes formas para fazer asas, cabelos e vestidos.

Depois da sala de informática, à passagem pelo bar e refeitório, o insólito acontece: «misturados» com os utentes do centro, os jovens portadores de deficiência que ali aprendem técnicas e competências para se integrarem no mercado de trabalho, há pessoas «normais», que trabalham na zona e vêm almoçar ali. Abolida a primeira e habitual barreira, o medo da diferença, encontram no NAID, apenas por três euros, uma refeição completa e “de grande qualidade”, frisam Guida Neto e Júlia Godinho, no final da visita.

EMPRESAS ASSUMEM PAPEL PREPONDERANTE

Catorze integrações em 2005

 

O ano passado foi “excepcional” em termos de integração dos utentes da CAID na vida activa, mas Guida Neto assegura que essa é a grande dificuldade. A população está sensibilizada, mas é às empresas que cabe o papel essencial.

 

A mais-valia dos utentes da CAID fica bem demonstrada logo à entrada no edifício onde funciona o NAID, cuja construção foi financiada por fundos comunitários e da Câmara Municipal de Santo Tirso, tendo o empreendimento sido construído de raiz na zona industrial de Fontiscos, nos arredores da cidade. A recepção é assegurada pelo Zé Carlos, um dos utentes, que com assinalável destreza atende telefonemas e encaminha os visitantes, segundo as necessidades e os objectivos transmitidos. O sorriso e a simpatia são elementos dominantes no rosto dos jovens com quem nos cruzamos, a quem cabe a realização, segundo Guida Neto, de grande parte das tarefas diárias da instituição, que subsiste com “poucos funcionários” e que encontra nos próprios utentes a quem presta apoio uma resposta para a execução desses serviços.

Ainda assim, segundo a directora do NAID, a integração no mercado de trabalho é a grande dificuldade. Se é certo que 2005 foi um ano atípico em que “o trabalho com os empresários correu muito bem” e foram integrados 14 jovens, este ano já não foi tão positivo desse ponto de vista, uma vez que “algumas integrações não correram muito bem” e os alunos regressaram à instituição. “Não é um drama”, asseguram as duas responsáveis, porque “mesmo que nem sempre corra muito bem, a integração é sempre uma experiência positiva, e a eventual desmotivação inicial por não ter sido bem sucedida depressa se dissipa”. Guida Neto reconhece que os empresários não podem contratar todos os utentes do NAID (até porque o número de empresas associadas ao projecto não é muito alargado), mas sublinha que é ao empresariado que cabe o papel decisivo neste processo.

C.T.

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