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Coriorretinopatia Central Serosa, ou como o stress pode afectar a nossa visão

  • Foto do escritor: Carla Teixeira
    Carla Teixeira
  • 5 de set. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 15 de fev. de 2021



Há cerca de um ano voltei a usar óculos. Já tinha acontecido no início da minha adolescência, e há uns meses, depois de começar a sentir alguma dificuldade em discernir as letras mais pequeninas de alguns contratos e os números dos cartões de crédito e multibanco, senti que algo não estava bem. Tinha uma certa dificuldade em focar as imagens, nomeadamente se tinham luz, como nos ecrãs de computador e televisão, e só depois de feitos os exames necessários e escolhidos os óculos percebi como realmente me faziam falta. A visão tornou-se mais clara, a confusão serenou e o meu mundo tornou-se mais agradável à vista.


Algo me deixou, no entanto, em alerta: foi-me diagnosticado um determinado grau de astigmatismo, ao mesmo tempo que fiquei a saber que em miúda teria sofrido de uma miopia que não foi devidamente diagnosticada (apesar de ser visita relativamente assídua em consultas de Oftalmologia e em gabinetes de Optimetria). Fiquei a saber também que via significativamente pior do olho direito do que do colega do lado esquerdo, e que possivelmente por esta altura, um ano depois de voltar a usar óculos para actividades de maior esforço – como trabalhar no computador ou ver televisão – passaria a usar óculos em todos os momentos do meu quotidiano.


Há umas semanas um novo sintoma voltou a alarmar-me: de repente, sem que nada o fizesse prever, comecei a sentir que a minha visão estava turva, baça, como se as pessoas e os objectos que via à minha frente, nomeadamente os que se me apresentassem pelo lado direito, estivessem submersos em água. Andei um dia inteiro a sentir e a comentar isso, até perceber, quando me desmaquilhava, ao fim do dia, que além dessa visão desfocada, se fechasse o olho esquerdo com o direito via tudo desfocado, não conseguia ler uma linha que fosse e via uma enorme mancha acinzentada no centro da visão, com tudo à volta dessa mancha embaciado.


Fiquei, obviamente, em pânico. Chamei o marido para ver se o olho tinha alguma coisa lá dentro ou alguma alteração menos comum no aspecto. Ele disse que não. Que tudo parecia normal nos meus olhos, e que deveria descansar nessa noite e ver como acordava no dia seguinte. Assim fiz. Dormi mal, evidentemente, não descansei grande coisa, e na manhã seguinte acordei com a mesma mancha e com a mesma falta de nitidez na visão. Fui de imediato ao hospital.


Atendida na urgência, fui prontamente conduzida ao Serviço de Oftalmologia, onde fui submetida ao processo de dilatação da pupila e a vários exames ao fundo do olho, ao mesmo tempo que respondi a uma bateria de perguntas de vários especialistas, que fizeram roda em torno de mim, fazendo perguntas e espreitando nas máquinas que me iam pondo à frente. No semblante carregado deles e nos diversos comentários que ia tentando escutar, embora falassem em tom baixo e numa espécie de código que só os médicos entendem, percebi que seria coisa séria, complicada até.


Minutos depois, sentada diante do Oftalmologista que liderava aquela equipa, ouvi a “sentença”: Coriorretinopatia Serosa Central. Nome complicado, que o médico teve o cuidado de me escrever num papel, sugerindo que procurasse mais informação sobre o assunto na internet. Basicamente, disse-me, é uma doença provocada pelo stress. Não tem, num primeiro momento, qualquer tratamento, devendo o paciente tentar diminuir a carga de ansiedade na sua vida e aguardar que os sintomas desapareçam por si, em regra ao fim de três a quatro semanas.


Como fugir ao stress?!


Mesmo sem ter sequer dado conta de que estivesse especialmente stressada ao longo das últimas semanas, a verdade é que me sentia extremamente cansada, física e mentalmente, esgotada mesmo. E a trabalhar numa empresa de rent-a-car, onde todos os dias entram dezenas (em certos dias mais de uma centena!) de clientes, muitas vezes em grande número ao mesmo tempo, e em que passo horas em frente a um computador a inserir dados e a processar números de cartões de crédito, adivinhava que tinha pela frente dias muito difíceis e em que o stress estaria, obviamente, muito presente.


Assim foi, de facto. No primeiro dia de trabalho fui mais lenta do que alguma vez tinha sido na inserção de dados no sistema informático, o olho direito chorava copiosamente, as dores de cabeça eram uma constante e um colega chegou mesmo a comentar que me sentia algo abatida, logo eu que nomalmente denoto sempre boa disposição. Ao segundo dia de trabalho nestas condições, e a conselho da minha chefe, que é também uma amiga que muito prezo, fui ao centro de saúde relatar o mal-estar que sentia. Saí de lá com uma baixa médica até ao dia em que tinha já marcada nova consulta de Oftalmologia no Hospital de Faro.


Doze dias passaram e, à hora marcada, apresentei-me na referida consulta. Seria de esperar, tendo em conta que os sintomas tendem a desaparecer em três a quatro semanas, que ao fim de quase duas já houvesse alguma evolução, mas as primeiras palavras do médico assim que viu os exames deitaram por terra toda a minha esperança: “Isto não melhorou nada”, disse-me ele. “Também não piorou, e até me parece que a retina está um pouco mais limpa”, mas a verdade é que, duas semanas depois, continuava praticamente na mesma situação e sem condições de voltar à minha rotina normal. Baixa médica de um mês e nova consulta marcada para dali a duas semanas, altura em que, caso não haja já uma evolução perceptível, teremos de avançar um passo na tentativa de resolver o problema: fazer novos exames e descartar outras eventuais causas, inclusivamente neurológicas e/ou degenerativas, para esta doença.


E o que é, afinal, a Coriorretinopatia Central Serosa?


Sem que se tenha ainda apurado uma causa contundente para esta doença, sabe-se que ela provém de um aumento exponencial dos níveis da hormona cortisol, que pode justificar-se por uma carga anormal de stress, em associação com uma gastrite provocada pela presença da bactéria Helicobacter pylori, uma situação de apnéia do sono e/ou o uso de medicamentos que contenham corticosteróides. Ora, tendo eu sido, nos meses anteriores, afectada por uma gastrite e por uma costocondrite (inflamação das costelas e das cartilagens que as ligam ao osso esterno), tendo sido submetida a um tratamento com uma série de fármacos diferentes, e não sendo habitualmente agraciada com noites de sono realmente retemperadoras, todas estas hipóteses ganhavam força como razão para o surgimento desta retinopatia. Porque, e pela minha experiência de vida eu já devia saber disso, “uma desgraça nunca vem só”…


A Coriorretinopatia Serosa Central provoca um descolamento seroso da retina, órgão responsável pela visão central, na região da mácula, responsável pela sua nitidez de detalhes e cores. Este descolamento é originado por uma espécie de vazamento de líquido dos vasos sanguíneos abundantes nessa área do olho, que por causa da doença estão particularmente permeáveis. É esse “levantamento” da retina que motiva o surgimento de “bolhas” serosas que desfocam a imagem e provocam o surgimento da mancha acinzentada na região central da visão.


Mais comum entre homens (cerca de 95% dos casos) com idades compreendidas entre os 20 e os 40 anos, esta doença tende a desaparecer naturalmente em algumas semanas, normalmente sem deixar sequelas no paciente. No entanto, em 5% dos casos a patologia pode evoluir para uma perda severa e permanente da visão central, designadamente em doentes em que a doença permaneça activa durante mais do que dois ou três meses ou que, num curto período, tenham recidivas. Nestes casos, poderá ser necessária uma intervenção cirúrgica para corrigir os danos. Resta-me ter esperança de não fazer parte desta minoria…




 
 
 

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